Título: Inquietações com o Paquistão
Autor: Lapouge, Gilles
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/01/2011, Internacional, p. A13

O Paquistão está com febre (no caso, a crise governamental que eclodiu no dia 2) e o mundo ocidental treme. Basta examinar o mapa para entender que o país muçulmano de cerca de 120 milhões de habitantes, que nasceu em 1947 após a independência e a divisão das Índias Britânicas, é um dos elos essenciais do sistema geoestratégico ocidental.

A leste, o país faz fronteira com a Índia e um pedaço da China. Ao sul, com o Irã. Sobretudo na parte oriental, o Paquistão tem uma longa linha fronteiriça comum com o Afeganistão, em guerra contra o Ocidente.

Portanto, é crucial que Islamabad tenha laços estreitos com os países livres. É o que ocorre hoje, mas isso não impede que o Taleban e os fundamentalistas islâmicos do Afeganistão utilizem o Paquistão como retaguarda.

Os milicianos do Taleban com isso não só recuperam as forças na zona de fronteira entre os dois países, como também essas regiões servem de refúgio para os maiores chefes do terrorismo islâmico mundial, incluindo os da rede Al-Qaeda.

É de se compreender, portanto, que os ocidentais, especialmente os americanos, que travam uma guerra difícil contra o Taleban no Afeganistão, vigiem seu aliado paquistanês de perto.

O presidente do Paquistão, Asif Ali Zardari (cuja mulher, Benazir Bhutto, foi assassinada em 2007), conta com um apoio irrestrito dos EUA e uma ajuda financeira exorbitante. Apesar disso, seu poder é frágil. A crise econômica assola o país.

Desde o dia 2, o governo de Zardari e seu Partido do Povo do Paquistão (PPP) perderam a maioria parlamentar, uma vez que o partido aliado, o Movimento Muttahida Qaumi (MQM, na sigla em inglês), abandonou a coalizão.

Por que a ruptura no seio da coalizão de governo? Os dissidentes afirmam que sua intenção foi denunciar o cruel aumento do preço dos combustíveis. Eles protestam também contra um projeto de reforma fiscal que o Fundo Monetário Internacional (FMI) pretende impor ao país.

Corrupção. Sem dúvida existem outras razões que devem ser buscadas do lado do Exército do país. Os generais paquistaneses, que são poderosos e têm muita influência, detestam o presidente, que representa tudo o que eles desprezam.

Zardari é o representante típico de uma classe dirigente civil corrupta e obscena. Já foi condenado por corrupção e passou longos anos na prisão. Era conhecido como "Sr. 10%". No entanto, esse não é seu único pecado. Há muitos outros.

O primeiro é que ele não detesta a Índia, enquanto o Exército e o povo paquistanês, de maneira geral, têm um ódio obsessivo pelos indianos. Por fim, os generais julgam que Zardari é demasiadamente complacente com os americanos.

O perigo é claro. Tanto é assim que, há alguns anos, uma parte do Exército, seu serviço secreto em particular, estava muito próximo dos fundamentalistas muçulmanos e não hesitaram em ajudar o Taleban.

Na ocasião, Washington, tentou pressionar o poder civil de Islamabad para acabar com o romance entre o Exército paquistanês e os milicianos do Taleban.

Sinal de fraqueza. O primeiro-ministro de Zardari, Yousuf Raza Gilani, vem negociando febrilmente para evitar que a oposição paquistanesa apresente uma moção de censura que pode provocar a queda do presidente, o que representaria, talvez, um perigo não só para o Paquistão, mas também para o mundo.

No momento, entretanto, os oponentes de Zardari não parecem querer a derrubada do governo. Preferem que a equipe do presidente permaneça no posto, desde que debilitada ao máximo. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO