Título: EUA negociam secretamente com a Síria um acordo com Israel, diz jornal
Autor: Chacra, Gustavo
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/01/2011, Internacional, p. A8

De acordo com jornal do Kuwait, que cita fontes diplomáticas de ambos os lados, Damasco teria dado sinais 'sem precedentes' de cooperação com Washington; israelenses e sírios negam qualquer diálogo com os americanos sobre a tensão na região

Apesar de não haver confirmação de Israel e da Síria, um diário do Kuwait indicou ontem que os EUA mantêm negociações secretas com o regime de Damasco para um acordo de paz com os israelenses. Segundo o jornal Al-Rai, os americanos "têm percebido uma cooperação sem precedentes dos sírios" para alcançar um acordo.

Romen Zvulun/APDiálogo com palestinos. O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, durante reunião do gabinete em Jerusalém O ministro das Relações Exteriores da Síria, Walid Muallem, teria afirmado que os sírios "estão prontos para retomar o diálogo com Israel e chegar à paz". Sírios e israelenses travaram três guerras desde a independência dos dois países no fim dos anos 40.

Na Guerra dos Seis Dias, em 1967, os israelenses ocuparam as Colinas do Golã, as anexando em ato não reconhecido pela ONU nos anos 80. Apesar da permanente tensão, os dois países não se envolvem em confrontos diretos desde 1973.

Reagindo à reportagem do jornal kuwaitiano, o ministro sírio negou que tenha dado declarações sobre o assunto. A Sana, agência de notícias estatal da Síria, afirmou que a reportagem do jornal "não tem fundamento", especialmente nos pontos em que o regime de Damasco teria concordado em se afastar do Hezbollah e do Irã.

Segundo especialistas, um acordo de paz entre a Síria e Israel precisaria envolver a devolução das Colinas do Golã, atualmente em poder dos israelenses. Ao mesmo tempo, Israel provavelmente exigiria que a Síria rompesse com o Hezbollah e também mantivesse uma distância do Irã. No caso do Hamas, os sírios seriam importantes para convencer o grupo a se reaproximar da Autoridade Palestina.

Um dos obstáculos para o acordo seria a necessidade de Israel realizar um referendo. O Golã, por ter sido anexado, não pode ser desocupado, de acordo com as leis israelenses, apenas por uma decisão do governo, como ocorreu com a Faixa de Gaza, o sul do Líbano e o Sinai. Além disso, a região tem importância estratégica para a segurança de Israel e é uma das principais fontes de água em uma zona árida.

O governo do presidente dos EUA, Barack Obama, havia colocado a paz por meio da chamada "via Síria" em um segundo plano e priorizado a solução do conflito entre israelenses e palestinos.

No entanto, o fracasso em levar adiante as negociações entre os dois lados pode obrigar Washington mais uma vez a tentar uma aproximação entre Síria e Israel. Além disso, os próprios americanos precisam resolver suas diferenças com Damasco. Os sírios sofrem sanções unilaterais dos EUA por apoiarem grupos considerados terroristas pelos americanos e por se envolverem em assuntos internos libaneses.

Nos últimos meses, porém, os dois lados passaram a adotar uma série de posições parecidas em relação ao Iraque e ao Líbano. Os americanos nomearam um embaixador para Damasco e têm enviado emissários para conversar com o presidente Bashar Assad.

Apreensão. Em entrevista ao Estado, em junho, o líder sírio confirmou que as relações com os EUA melhoraram depois que Obama assumiu o poder. Assad também disse estar disposto a negociar com Israel. Na ocasião, ele afirmou que o Brasil poderia participar como mediador do conflito entre sírios e israelenses.

Nos anos 90, quando Hafez Assad, pais do atual presidente, estava no poder em Damasco, Síria e Israel chegaram perto de um acordo negociado pelo então presidente americano Bill Clinton, mas a paz naufragou porque os dois lados não conseguiram consenso sobre o acesso dos sírios ao Mar da Galileia.

No fim de 2008, Assad e Ehud Olmert, na época premiê de Israel, estiveram a um passo de resolver o conflito em negociações mediadas pela Turquia. A eclosão da guerra em Gaza, contudo, frustrou as perspectivas de paz com os sírios e, para piorar, os turcos se sentiram traídos pelos israelenses.

Em Israel, o governo vê com cautela um acordo com os sírios. Os israelenses estão apreensivos com a ajuda militar e a logística que Damasco dá ao Hezbollah e também com a amizade da Síria com o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad.

PARA LEMBRAR

Não é a primeira vez que Washington negocia a paz entre Síria e Israel. Para o governo americano, o estabelecimento de relações entre israelenses, libaneses e sírios, além de outras nações do Golfo, ajudaria no isolamento do Irã. Em setembro, o enviado especial dos EUA ao Oriente Médio, George Mitchell, reuniu-se com o presidente da Síria, Bashar Assad, em Damasco, e com o premiê libanês, Saad Hariri, em Beirute. Na ocasião, Mitchell confirmou que o presidente Barack Obama defendia as negociações de acordos de Israel com Síria e Líbano. Essa abordagem ficou conhecida no meio diplomático americano como "via síria", uma saída caso a "via palestina" não dê resultado