Título: Austeridade e juros
Autor: Ming, Celso
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/01/2011, Economia, p. B2

A entrevista do ministro da Fazenda, Guido Mantega, concedida terça-feira, não foi apenas a tentativa de segurar a cotação do dólar no grito. Deu novas indicações de como a administração Dilma pretende reorganizar a economia. O problema será colocar em prática projetos às vezes confusos e nem sempre conciliáveis.

A primeira questão é, naturalmente, a do câmbio, que teima em provocar valorização ainda maior do real, movimento que tira competitividade da indústria. Mantega interpreta a derrubada do dólar das últimas duas semanas como consequência da retomada dos negócios lá nos Estados Unidos. Ou seja, para ele são os investidores internacionais que se sentem mais confiantes, tiram a cabeça da toca e enfrentam mais o risco e, com isso, mais dólares rumam para o Brasil.

Se for isso e se for confirmada a recuperação da economia americana, é preciso estar preparado para mais duas consequências. A primeira delas é o inevitável aumento do consumo por lá e, com ele, mais pressão inflacionária, especialmente sobre alimentos e combustíveis. Se, de um lado, a inevitável alta dos juros nos Estados Unidos, que se seguirá à recuperação, produzirá valorização do dólar no câmbio interno (o que Mantega festejará), de outro, puxará a inflação aqui no Brasil.

De todo modo, uma boa reação do mercado americano não colocará ponto final na crise global. O risco de uma nova rodada de naufrágios na área do euro ainda não foi eliminado. E, se algo de grave acontecer, a economia dos Estados Unidos, mesmo em fase de recuperação, não será poupada.

Afora isso, o aumento das posições de risco continuará a despachar mais recursos para o Brasil e, dessa forma, pressionará para ainda maior valorização do real. Mantega avisa que combaterá a entrada de capitais especulativos. Esse não é um bom caminho. Se o capital é especulativo e, portanto, de curto prazo, o tanto de valorização do real que causará na entrada no País provocará de desvalorização na saída que virá, como se entende, logo em seguida. Para que, então, combater com providências complicadas e de efeito duvidoso o que não vai durar?

Mantega disse mais: "Vamos cortar os gastos para abrir espaço para a redução dos juros." É a primeira vez que o ministro põe a política fiscal como aliada da política monetária. É, também, o reconhecimento de que o excesso de despesas públicas produziu elevação do consumo e, portanto, inflação. Na medida em que a austeridade for colocando o consumo no seu tamanho certo, o Banco Central não terá o mesmo tanto de inflação a combater e poderá derrubar os juros. Juros mais baixos, por sua vez, contribuirão para impedir valorização excessiva do real porque desestimularão a entrada de capitais com o objetivo de tirar proveito dos juros mais altos aqui dentro.

O problema é que a inflação vai escapando da meta (de 4,5% neste ano) e o primeiro movimento do Banco Central neste início de administração não será reduzir os juros. Será aumentá-los. Ou o governo federal derrubará para valer as despesas públicas e os juros poderão cair algum tempo depois ou não levará tão a sério essa orientação e eles continuarão lá em cima. Nesse caso, a política cambial perderá um forte aliado contra novas valorizações do real (baixa do dólar). Mas vá saber até que ponto o governo fará o que diz.