Título: Despreparo agravou vazamento
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Fonte: O Estado de São Paulo, 02/01/2011, Vida, p. A18

Falta de manutenção nos sistemas de segurança e demora da equipe em ativá-los pioraram crise David Barstow, David Rohde e Stephanie Saul, The New York Times - O Estado de S.Paulo Na manhã de 20 de abril, Caleb Holloway, plataformista de 21 anos, dirigiu-se ao deck da plataforma Deepwater Horizon. Grande como um campo de futebol, era dominado por uma torre de 25 andares circundada por duas gruas. Abaixo havia mais dois andares, incluindo alojamentos para 146 pessoas. Cada aposento tinha banheiro e TV. Havia sala de ginástica, de cinema e sauna. "Uma espécie de Hilton flutuante", lembram.

The New York TimesEsquadra. Navios tentam combater o fogo na plataforma de petróleo Holloway se juntou ao restante da equipe de perfuração, 12 homens no total, para discutir o dia de trabalho com os chefes, Wyman Wheeler e Dewey Revette. Era um grupo integrado, que trabalhava 12 horas por dia. "Era uma família", resumiu Holloway. Mas uma família com certa arrogância. A atividade de perfuração é competitiva e a tripulação da Deepwater Horizon queria estar entre as melhores.

Naquele dia, a principal tarefa era terminar o trabalho. O poço de Macondo tinha atrasado desde o início - más notícias para uma tripulação com bonificações ligadas ao cumprimento de prazos. Mas perfurar com rapidez aumenta os riscos. E perfurar rapidamente um reservatório de petróleo e gás a quase 5 mil metros de profundidade é mais problemático nas formações porosas e instáveis do golfo.

A Horizon tinha problemas. O fluido de perfuração pesado, chamado lama, desaparecia em meio às rachaduras que se formam. Menos lama significa menos peso suportando o óleo e o gás. Uma série de "chutes" (aumento súbito da pressão do fluido) violentos de gás levou as equipes de perfuração a se empenharem para controlar o poço.

Oito de março havia sido um dia ruim. Um "chute" fez com que ferramentas que valem milhões ficassem presas no poço e as operações, suspensas por nove dias. Havia tanto gás que foi proibido cozinhar no deck.

Para a tripulação, quanto mais cedo deixasse o Macondo, melhor. Holloway trabalhava no convés de perfuração quando recebeu uma chamada por rádio: "Jimmy precisa vê-lo."

Jimmy Harrell, de 54 anos, tinha começado como plataformista. Agora, após três décadas na Transocean, era o chefão da Horizon. Holloway encontrou os líderes da plataforma esperando no escritório de Harrell, incluindo Curt Kuchta, o capitão, e Randy Ezell, supervisor das operações de perfuração.

Harrell entregou a Holloway um relógio de prata - prêmio por ele ter localizado um parafuso corroído na torre. O gesto era típico da cultura de segurança na Horizon, onde, antes de cada tarefa, os funcionários tinham de redigir um plano identificando todos os riscos potenciais.

Apesar das longas horas e de condições difíceis, as pessoas raramente se feriam. Era tão raros os acidentes que dois executivos da BP e dois diretores da Transocean chegaram no início do dia para elogiar o desempenho da tripulação na área de segurança. Mas eles também estavam lá para discutir o cronograma. Além de concluir o Macondo, era necessário completar reparos na plataforma antes de outros projetos prioritários.

Em e-mails, diretores da BP - cujas bonificações eram baseadas em prazos e corte de gastos - perguntaram quando o poço estaria concluído. A Horizon pertencia à Transocean, mas o poço era da BP; e os trabalhadores achavam que a BP estava pressionando. A BP nega a pressão, mas seus planos para a conclusão do poço continuavam mudando, de maneira a poupar tempo.

No começo da tarde, restava um teste crucial antes que a Horizon pudesse se ligar ao Macondo e se movimentar. Projetar e interpretar esse teste de "pressão negativa" exige perícia de engenharia. Não há padrões estabelecidos pelo setor ou regras governamentais. O design do teste era tarefa da BP, mas as instruções da companhia, enviadas por e-mail, continham 24 palavras.

Houve desacordo quanto aos resultados. Um executivo da BP achava que o teste tinha sido excelente. Diretores da plataforma pediram para que ele fosse repetido. Às 20 horas, repetido o teste, todos concordaram que o Macondo estava estável.

O vazamento. Os investigadores creem que o influxo começou às 20h50. Para tampar o poço, a equipe passou a injetar lama. "A questão é saber porque esses homens experientes acreditaram que foi um bom teste", disse Sean Grimsley, de uma comissão que investiga o desastre.

Naquele momento, centenas de barris de petróleo e gás subiam do poço. Às 21h38, os primeiros hidrocarbonetos passaram pelo preventor de vazamentos, dispositivo de segurança que dá à equipe de perfuração meios para fechar o poço. Mas uma vez que óleo e gás passam por ele, nada pode pará-los.

Holloway e seu colega Dan Barron estavam no deck quando viram lama jorrando do poço. Isso ocorreu nove minutos antes da primeira explosão. Em caso de vazamento, auxiliares como Holloway dão o alerta e cronometram a resposta - normalmente, a instalação de uma válvula especial. Mas ele viu que não havia plataformistas no convés.

Uma cachoeira de lama vinha do convés de perfuração para o deck. Depois, lama e água explodiram dentro da torre. Os treinamentos contemplavam vazamentos de um único tubo de perfuração, mas este irrompia da abertura inteira do poço.

No convés de perfuração, da cabine da grua, Micah Sandell teve uma visão nítida da explosão. Quando a lama baixou por um momento, ele achou que a equipe a tinha controlado, mas houve nova erupção. O mais preocupante era o gás. A plataforma tinha duas maneiras de se defender contra o petróleo e o gás que sobem para a torre. Podiam girar uma válvula e desviar o escapamento para o mar ou tentar conter as substâncias na torre, canalizando-as para um aparelho chamado separador de gás da lama.

Alarmes contra gás começaram a piscar no computador de Andrea Fleytas, uma das assistentes, mostrando que o gás se espalhava. Eram tantos alarmes que ficou difícil verificar onde o gás foi detectado.

Quando fogo ou gás é detectado, isso aparece nos computadores - não apenas na sala de comando, mas na sala de controle e na das máquinas. Em teoria, qualquer um nesses três locais pode responder ao problema. Esse sistema automaticamente acionaria um alarme geral, que indicaria a saída imediata da plataforma, mas a Transocean o instalou de modo que ele tinha de ser ativado manualmente.

Andrea estava na plataforma havia 18 meses. Foi treinada para soar o alarme geral se dois ou mais sensores detectassem gás. Mas, com 20 sensores brilhando, ela pressionou os botões que informavam o sistema de que a equipe da sala de comando estava ciente dos alarmes. "Era muita coisa para assimilar", disse ela em seu depoimento. "Não acho que alguém foi treinado para o caso de detectores em massa que dispararam naquela noite", disse o chefe de Andrea, Yancy Keplinger. Eles poderiam ter interrompido o funcionamento dos ventiladores e inibido o fluxo de gás, desligado os equipamentos elétricos e parado os motores. Não fizeram nada disso.

Muitos da equipe não sabiam da emergência. O sondador Ezell foi avisado por telefone por um assistente. Quando a lama explodiu, ele recorreu ao preventor de vazamentos de 400 toneladas, que dava vários métodos para fechar o poço, sendo o mais extremo um conjunto de travas hidráulicas. Um botão vermelho na sala de controle ativa essas travas, mas o manual da Transocean dizia que elas deviam ser usadas "apenas em circunstâncias excepcionais". Não parece que esse botão foi acionado. Os dados indicam que a equipe tentou usar pelo menos dois outros métodos, atendendo às diretrizes da Transocean. Nenhum funcionou.

Falha. A Transocean diz que o sistema de prevenção de explosões foi incapaz de impedir o vazamento. Evidências mostram que o sistema poderia estar danificado por falta de manutenção. Investigadores encontraram problemas que foram menosprezados ou ignorados. E a Transocean nunca fez a manutenção regular, a cada cinco anos.

Na sala de máquinas, Doug Brown e seus homens ouviram por acaso a conversa com o navio Bankston nos seus rádios. Próximo deles estava um console que dava acesso ao sistema de suspensão das atividades em caso de emergência. Era só levantar uma coberta de plástico e apertar um botão para parar os motores. Mas não era uma decisão fácil. Embora soubessem que havia um problema, não tinham razão para acreditar que se tratava de algo mais que um incidente de rotina. Nem sabiam que gás altamente explosivo estava se acumulando.

Era arriscado reagir de maneira desproporcional. Se calassem os motores, a plataforma sairia da sua posição sobre o poço, possivelmente danificando equipamentos e causando atrasos. Em seu depoimento, Brown disse que não pensou que tinha poderes para apertar o botão. Era preciso "esperar e ouvir" as instruções da sala de comando.

Mas depois de duas chamadas breves, cada uma de apenas alguns segundos, não houve mais nenhuma comunicação ou coordenação entre a ponte de comando, a sala de controle e a sala das máquinas. Os homens da sala das máquinas não fizeram nada.