Título: Como domar a inflação?
Autor: Ming, Celso
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/01/2011, Economia, p. B2

O governo Dilma começou enfrentando o risco de não conseguir derrubar os juros básicos (Selic) a 2% ao ano em termos reais (descontada a inflação). No entanto, esta foi uma das poucas promessas eleitorais.

Para os dias 18 e 19 de janeiro está agendada a primeira decisão sobre a calibragem dos juros da nova administração do Banco Central comandada pelo economista Alexandre Tombini. E parece inevitável uma alta dos juros, possivelmente de 0,5 ponto porcentual, não só como indicou o Relatório de Inflação, mas também conforme aponta a maioria das apostas do mercado no momento. É uma estocada necessária para empurrar a inflação para o centro da meta, de 4,5%, em 2011.

Quando um ciclo de alta começa, dificilmente para no primeiro aperto monetário. Segue-se que o volume de moeda na economia tende a se estreitar ainda mais nos meses seguintes.

Se isso se confirmar, a gritaria contra a elevação dos juros vai se intensificar. O problema é que, mais uma vez, o governo federal deixa o Banco Central sozinho na sua tarefa de combater a inflação.

Como consta no último Relatório de Inflação, o Banco Central dá como favas contadas a observância de um superávit primário de 3,0% ao longo de 2011. Mas, apesar das promessas renovadas de aumento da austeridade, ninguém acredita que o governo vá fazer a sua parte. Se o novo governo não der demonstrações inequívocas de que vai cumprir o prometido, a inflação continuará sendo alimentada pelos recursos liberados pelo setor público. Para reverter as expectativas, será necessário que o Banco Central redobre a dosagem de juros para alcançar a meta a que está comprometido, sob pena de deixar que a inflação descole demais.

O novo governo enfrenta enorme desvantagem em relação aos últimos quatro anos da administração Lula. Terá de atacar a inflação sem contar com o efeito achatador que a valorização do câmbio (baixa do dólar - veja o gráfico) exerce sobre os preços nem com a persistência de baixíssimos índices de inflação nos países ricos. Primeiramente, uma observação e, depois, duas explicações.

A observação: não está sendo dito aqui que o Banco Central ao longo da administração Lula tenha trabalhado com âncora cambial, ou seja, que tenha trabalhado para derrubar as cotações do dólar para obter ou uma redução ou uma alta bem mais moderada dos preços. Pode-se dizer o contrário: que, ao elevar de US$ 52,9 bilhões (em dezembro de 2004) para US$ 287,4 bilhões (em dezembro de 2010) o volume de reservas, o Banco Central impediu uma valorização ainda maior do real. De todo o modo, durante a gestão Lula, a trajetória do câmbio não teve, em nenhum momento, o objetivo direto de segurar os preços com um dólar barato. No entanto, a valorização do real teve o efeito colateral de ajudar a política monetária no controle da inflação.

Agora a primeira explicação: é que no nível de R$ 1,70 por dólar não há mais espaço para novas valorizações importantes do real. Daqui para a frente, nem o Banco Central nem o governo federal podem contar com o efeito da ancoragem cambial sobre os preços.

A segunda explicação: a crise global derrubou os preços nos países industrializados. A partir de 2011 ou, no mais tardar, em 2012, deve começar a recuperação e algum impacto inflacionário vai aparecer. Afora isso, a própria evolução dos preços das commodities tende a pressionar os preços. Ou seja, os produtos importados não concorrerão mais para manter a inflação sob controle.

A principal consequência disso é a de que o combate à inflação tem de ser preponderantemente realizado com apenas dois instrumentos: pela política fiscal (achatamento das despesas públicas) e pela política monetária (política de juros). Quanto maior for a resistência do governo em garantir a austeridade das contas públicas, mais o Banco Central será levado a aumentar os juros básicos. A opção a esse quadro é permitir a escalada da inflação, o que parece politicamente inviável.