Título: Mudar a política de investimento
Autor: Caldas, Suely
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/01/2011, Economia, p. B2

Oscilando entre 17% e 20% do Produto Interno Bruto (PIB) desde o ano 2000, quando o IBGE iniciou a série histórica, a persistência da taxa de investimento em patamares baixos e insuficientes para o potencial do País é a prova mais evidente de que algo está errado e de que a política dirigida a estimular o investimento precisa mudar. Hoje em 19,4%, os economistas afirmam que essa taxa precisa alcançar os 25% para garantir um crescimento econômico contínuo, sustentado, sem recuos e adequado ao tamanho do Brasil e de sua população. O novo governo deveria olhar com muita atenção para essa questão, reavaliar o que foi feito, mudar o que for preciso e criar estímulos consistentes com a meta de 25%.

Em primeiro lugar, o investimento em educação constitui a base mais sólida de uma política que se queira bem-sucedida, com reforço aos ensinos fundamental, médio e profissionalizante, capaz de erradicar o analfabetismo funcional e formar trabalhadores preparados para produzir com qualidade. É certo que ocorreram avanços nos últimos anos, mas ainda está muito devagar. Segundo pesquisa da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), 51% da população brasileira entre 25 e 64 anos não havia completado o ensino médio em 2008, contra uma média de 29% nos países de economia avançada. Obviamente esse atraso se reflete em desvantagem na qualidade e na competição de nossos produtos no exterior. Em relação a outros instrumentos para estimular o investimento produtivo, a educação tem resultados lentos, mas sólidos, estruturais e absolutamente imprescindíveis, indispensáveis.

Em segundo lugar, o governo deve cumprir a sua parte, trabalhar para fazer crescer o investimento público, ampliar a rede de serviços de infraestrutura e logística (energia, portos, aeroportos, rodovias, ferrovias) para acabar com gargalos e abrir espaço para escoar o aumento da produção industrial e agrícola. Mas para isso é preciso cortar despesas dispensáveis ou adiáveis, reduzir gastos com a máquina, novas contratações e evitar, enfim, o desperdício, para sobrar dinheiro público para investir.

No campo do investimento privado convém repensar o sistema de crédito. Hoje só o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) oferece crédito a longo prazo a empresas dispostas a investir. Juros altos atraem bancos privados para o jogo de aplicações financeiras de ganho rápido de curto prazo e dificultam empréstimos para investimentos que necessitam de prazos mais longos e juros mais baixos. Empresas de grande porte e bons resultados financeiros conseguem juros mais baixos tomando empréstimos em bancos no exterior para aplicar em investimentos. Mas as empresas médias e pequenas não, dependem unicamente do BNDES.

É aí que o governo Dilma Rousseff deve agir. Há dias o Ministério da Fazenda deu um passo: criou um conjunto de incentivos para os bancos privados participarem mais ativamente do sistema de crédito de longo prazo. Mas a iniciativa não produziu nenhum resultado até agora e os bancos continuam arredios, preferindo direcionar recursos para aplicações financeiras de curto prazo, rentáveis e lucrativas. Baixa como a de investimento, a taxa de poupança do País está limitada a 18,5% do PIB e não ajuda a estruturar créditos voltados para prazos mais longos. Cultural, o problema da falta de poupança deriva de longos períodos de inflação elevada e um sistema de defesa contra a perda monetária que viciou os brasileiros a se refugiarem em aplicações financeiras de ganho rápido. Até mesmo os fundos de pensão, com vocação para poupança de longo prazo, preferem aplicar em imóveis ou em ações de empresas em bolsas de valores. Sem dúvida, aplicar em bolsa é uma forma de alavancar investimentos, porém é limitado a empresas com bom desempenho na bolsa.

Em anos de repetitiva predominância, essa realidade provou fartamente não servir como estrutura financeira para viabilizar investimentos, ativar o crescimento, gerar renda e emprego. É preciso mudá-la, atrair bancos privados e fundos de pensão. Em outros tempos o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) seria chamado a usar seus economistas para estudar meios de resolver o problema. Afinal, o Ipea existe para corrigir rumos, pensar o futuro da economia e propor soluções para o País prosperar.

E o BNDES? Se o papel do novo governo no crédito privado é regular, no crédito público é interferir diretamente. Por exemplo, é preciso exterminar a política de engordar o orçamento do BNDES com empréstimos subsidiados do Tesouro porque resulta em uma perversa e brutal transferência de renda da população, sobretudo os mais pobres que são maioria, para poucos empresários ricos, que não precisam de dinheiro público pois têm meios de buscar crédito no exterior a custo baixo.

O economista do Ipea Mansueto Almeida finalmente fez os cálculos que o BNDES e o Tesouro se recusaram a apresentar à opinião pública: sem conhecer detalhes, nem autorizar, a população brasileira tirou do bolso R$ 21 bilhões para custear subsídios a R$ 236 bilhões em empréstimos que o Tesouro repassou para o BNDES suprir grandes empresas de crédito - a cifra é 38% maior do que o Bolsa-Família e 72% de todo o orçamento da educação.

Excluída a operação de capitalização, só a Petrobrás levou R$ 30 bilhões entre 2009 e 2010. Mas não só ela. O frigorífico JBS tomou R$ 10 bilhões em créditos no banco para expansão no Brasil e aquisição de ativos no exterior. Só para comprar a americana Pilgrim"s Pride, o JBS pegou no BNDES R$ 3,479 bilhões, dinheiro que embarcou direto para os EUA e não criou um único emprego no Brasil. Como se não bastasse, agora, um ano depois, o JBS diz que não pode pagar e quer rolar a dívida alegando que a crise nos EUA atrapalhou a rentabilidade do negócio. Se uma empresa privada quer tornar-se a maior do mundo, fazendo um mau negócio, tem todo o direito, mas use seus próprios recursos, não o dinheiro do contribuinte. Pois o BNDES, com sua política de escolher empresas vencedoras, acabou conivente com o mau negócio do JBS.

Já as pequenas e médias empresas ou não têm acesso ao crédito ou levam meses, anos para aprovar um. E também acontece com as grandes que não tiveram a mesma sorte da Petrobrás e do JBS de serem escolhidas vencedoras.

JORNALISTA E PROFESSORA DE COMUNICAÇÃO DA PUC-RIO.