Título: A discreta xerife que não foge das polêmicas na CVM
Autor: Santana, Maria Helena
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/01/2011, Negocios, p. B12

Terninho cinza, óculos discretos e joias diminutas, Maria Helena Santana cumprimenta com um sorriso os presentes ao entrar no 34.º andar do edifício que abriga a sede da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), no Centro do Rio. Passa pelas fotografias dos 16 presidentes, todos homens, que a precederam no comando do órgão, e senta-se sob o brasão da autarquia para mais um julgamento de acusados de irregularidades contra o mercado de valores mobiliários.

Com tom de voz baixo e inalterável, dirige as sessões realizadas periodicamente às terças-feiras - uma das funções do órgão responsável por ditar e fiscalizar as regras do mercado, estimular o crescimento dele, proteger investidores e punir infratores.

Mas seu estilo discreto e cordato à frente do mercado financeiro não implica falta de firmeza. Com a mesma sobriedade, Maria Helena e sua diretoria conduzem absolvições e condenações de peixes pequenos a graúdos - como banqueiros de cacife, gigantes empresariais e réus com influência política. Sob sua gestão, as multas aplicadas foram alçadas a um novo patamar, passando do meio bilhão de reais.

Não raro, sentencia tendo à sua frente alguns dos fotografados na parede à sua esquerda, que depois de deixarem a presidência do órgão regulador passaram ao outro lado do balcão e hoje dirigem grandes escritórios de advocacia, ocupando por vezes a cadeira da defesa.

"Maria Helena é vista pelo mercado como alguém que vai fazer o que precisa ser feito, sem ceder a pressões ou ter medo de desagradar. Isso é que faz uma CVM forte. Não quer dizer que ela acerte sempre, mas, para o mercado, é melhor ter uma CVM vigilante do que frouxa, e a Maria Helena é tudo, menos frouxa", diz o advogado Marcelo Trindade, com a autoridade de quem a precedeu no cargo e a teve por um ano como diretora.

Séria, dedicada e aberta a ouvir são características citadas mesmo por seus críticos. Mas nem tudo é elogio. A disposição da "xerife" para enfrentar assuntos polêmicos e a firmeza de suas opiniões em questões que dividem o mercado também abrem um flanco de críticas às posições da CVM sob sua gestão.

Salários. Um exemplo é a exigência de divulgação dos salários médios dos administradores de empresas - medida defendida pela autarquia como uma forma de transparência para o investidor, mas que gerou fúria entre executivos que se viram forçados a expor um dado que consideram de caráter privado, num embate que foi parar na Justiça e está até agora sem solução. "Revelar as somas chega a botar em risco a segurança dos executivos", defende o presidente da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), Antonio Castro.

Unanimidade, há uma clara: o avanço na transparência trazida pela Instrução 480, com a obrigação de divulgação de mais informações por parte das empresas. Essa medida foi citada pelas 12 pessoas ouvidas pela Agência Estado - que conversou com pessoas que trabalham ou trabalharam tanto ao lado de Maria Helena quanto na cúpula do órgão, além de representantes do empresariado e advogados que atuam em casos na autarquia(a presidente da CVM preferiu não dar entrevista).

Por outro lado, grandes escritórios de advocacia reclamam do peso da mão sancionadora desta gestão. Foram R$ 667 milhões em multas no caso Banco Santos, em 2008, e R$ 504 milhões a acusados de fraude com créditos imobiliários do RioPrevidência, em 2010. E os acordos feitos com acusados para encerrar os longos processos e evitar julgamento sem presunção de culpa já chegaram a R$ 150 milhões, pagos pela francesa Vivendi, acusada de irregularidades na compra da GVT numa disputa com a Telefônica.

Os advogados alegam que valores fora do razoável podem tornar as punições inócuas por serem passíveis de contestação na Justiça comum, como de fato aconteceu no caso ligado ao RioPrevidência, hoje parado nos tribunais. A CVM lembra que o valor das multas é limitado por lei.

Essa economista paulistana migrou para a CVM depois de 12 anos na hoje BM&FBovespa. Na bolsa, foi superintendente de Relações com Empresas e peça fundamental na criação do Novo Mercado, trazendo um novo perfil à presidência da CVM, geralmente delegada a advogados.

A economista assumiu a presidência da CVM em 2007, indicada pelo ministro da Fazenda Guido Mantega, com a Bovespa batendo um recorde atrás do outro. Acompanhou o boom de IPOs no Brasil e depois a crise financeira internacional.

Benefício. A experiência num setor que mexe com somas vultosas não se traduz em benefício financeiro próprio. Herdeira de uma família de portugueses do ramo de supermercados e com um passado de atuação no grupo de esquerda MR-8 nos tempos estudantis, Maria Helena recebe menos de R$ 13 mil mensais para entrar cedo e sair tarde, se dividindo há quatro anos entre a CVM no Rio e o marido e os dois filhos em São Paulo.

Desde que sentou na cadeira, o número de investidores pessoas físicas no mercado mais que dobrou, a Bovespa se recuperou da crise e o País inaugura oficialmente este ano um padrão de contabilidade internacional, o IFRS. Sua gestão também trouxe mais agilidade às ofertas públicas, conquistou mais verbas para a autarquia e 150 novas vagas num concurso recente.

Mas as ações também geram polêmicas. Um grupo de peso - e neste estão incluídos pelo menos quatro ex-integrantes da alta cúpula do órgão - considera que algumas decisões recentes da CVM trouxeram insegurança jurídica ao mercado por mudar interpretações históricas da lei. São exemplos uma decisão de 2008 que mudou as regras para eleição de conselho fiscal e, mais recentemente, a decisão do caso Tractebel, que restringiu as regras para que controladores votem em assembleia de acionistas sobre contratos que envolvam as suas próprias controladas.

"Mudar as regras do jogo no meio de operações traz insegurança. A CVM poderia ser mais clara e emitir pareceres de orientação, que serviriam para todos os casos, e não um só", alfineta um crítico. O especialista em governança corporativa Renato Chavez discorda: "É impossível uma lei abranger todas as situações. É preciso interpretá-la caso a caso, não dá para fugir disso", diz, numa posição semelhante à defendida pela CVM.