Título: OGX inspira nova safra de petroleiras
Autor: Oscar, Naiana
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/01/2011, Negócios, p. N3

Como HRT, Barra e YXC, de egressos da Petrobrás, estão atraindo investidores

O sonho do geólogo Marcio Rocha Mello, de 57 anos, é comprar a Petrobrás. "Você sabe como se come um elefante? Pedacinho por pedacinho", costuma dizer o dono da petroleira HRT, numa referência bem humorada à estatal brasileira. Ele não está falando sério, mas faz parecer que sim. Cultivar pensamentos e comportamentos "megalomaníacos" faz parte do jogo na indústria do petróleo. É preciso sonhar grande para ser no mínimo relevante no setor.

O primeiro a adotar essa tática, em 2007, foi o bilionário Eike Batista. Tendo apenas a intenção de entrar para o ramo, ele seduziu investidores e fez uma captação privada de US$ 1,3 bilhão para a recém criada OGX, que à época, como hoje, não produzia uma só gota de petróleo.

Eike torrou o dinheiro no 9º leilão da Agência Nacional de Petróleo (ANP) - ocasião em que arrematou 21 blocos de exploração sem nenhuma confirmação de que seriam rentáveis. O empresário cercou-se de ex-funcionários da Petrobrás e, em 2008, a empresa fez sua oferta inicial de ações (IPO) na BM&FBovespa, captando outros R$ 6,7 bilhões.

Estava pronta a receita do bolo: técnicos que tenham no currículo uma passagem pela Petrobrás, uma relação intensa com investidores e, claro, dinheiro em caixa. Era só copiar. A chegada da OGX abriu as portas para uma nova leva de petroleiras - movimentação que não se via por aqui desde o fim do monopólio da Petrobrás, há uma década. Naquela ocasião, simultaneamente à chegada das grandes companhias internacionais no País, uma centena de empreendedores brasileiros criou suas empresas de exploração e produção do petróleo. Sem recursos e sem áreas para explorar, a maioria não decolou.

A HRT foi a primeira a seguir os passos de Eike, embora Marcio Rocha Mello não goste de fazer essa associação. "Não montei a HRT por causa da OGX. Era um sonho", diz o empresário, que trabalhou na Petrobrás por quase três décadas e ficou conhecido no setor por ter sido um dos primeiros a pesquisar e defender a existência de petróleo na camada conhecida como pré-sal. Rocha Mello deixou a estatal quando o monopólio para explorar e produzir petróleo no Brasil chegou ao fim em 1998.

Ele viu ali uma oportunidade de usar os anos de Petrobrás num negócio próprio. Abriu pelo menos cinco empresas de prestação de serviço, até se deparar em 2009 com a possibilidade de partir para a exploração e produção. Rocha Mello comprou da Petra Energia, uma de suas clientes, as concessões para operar na Bacia dos Solimões. Fez o negócio com recursos de investidores internacionais, entre eles o fundo controlado pelo americano Michael Dell, da Dell Computers, que até hoje detém 6,9% de participação na HRT.

Ritmo. Com blocos no Solimões e no mar da Namíbia, na África, a petroleira partiu para o IPO em outubro do ano passado, logo depois da capitalização da Petrobrás. "Seria um suicídio", nas palavras de Rocha Mello, ter feito a oferta três meses antes como havia sido anunciado. A HRT captou R$ 2,5 bilhões e encerrou o pregão daquela tarde com o show de uma mini escola de samba: é ao som de pandeiro, bateria e com o rebolado de quatro recepcionistas da HRT, que fazem as vezes de passistas, que Rocha Mello tem o hábito de se apresentar aos investidores. "Sempre causa uma boa impressão."

As ações se valorizaram 38% desde então e o valor de mercado da empresa está em R$ 7,5 bilhões - isso equivale a 4,75 vezes o valor das reservas previstas para serem encontradas nos blocos da HRT. Com o mesmo tempo de vida, a OGX valia na bolsa 4,1 vezes os barris de petróleo que estimava produzir. "São duas empresas parecidas, com ativos diferentes", diz Nelson Matos, analista de petróleo e gás da BB Investimentos. "Uma tem blocos conhecidos, no Brasil, e a outra aposta suas fichas num país como a Namíbia, onde as regras de exploração e produção ainda não estão estabelecidas." De qualquer forma, ambas são investimentos de risco. Nesta semana, a OGX anunciou que um de seus poços na bacia de Santos não é viável comercialmente. É a terceira vez que isso acontece.

Embora queira se descolar da figura de Eike, o fundador da HRT não perde a oportunidade de confrontar seus blocos com o do rival. "A Namíbia é a bacia de Santos de 20 anos atrás: com o mesmo potencial, mas inexplorada", defende o empresário. E fica por aí. Antes que prossigam as comparações entre os dois, Mello se antecipa em dizer que não quer ser o homem mais rico do mundo, e sim o "mais feliz".

Esse duelo, no entanto, está com os dias contados. As duas petroleiras devem, em breve, ganhar companhia no mercado de empresas criadas aos moldes da OGX. Em maio passado, quatro ex-funcionários da Petrobrás, todos cariocas da Barra da Tijuca, fundaram a Barra Energia. A empresa tem em caixa US$ 500 milhões, aportados no fim do ano passado por um fundo de private equity focado na indústria de energia, o First Reserve Corporation. Mas por enquanto é apenas um escritório com dez executivos, sem blocos para explorar.

No comando estão João Carlos De Luca, também presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP), e Renato Tadeu Bertani, amigos desde a época da estatal. De Luca foi superintendente da Bacia de Campos e Bertani fez carreira na Braspetro, que coordena as atividades internacionais da Petrobrás. "É essa experiência de vida que faz a diferença numa empresa de petróleo", diz De Luca.

É a mesma lógica da mais nova petroleira brasileira, a YXC, de Rodolfo Landim - ex-Petrobrás, ex-OGX e atual desafeto de Eike Batista, de quem já foi braço direito. Landim deixou a empresa no início do ano passado e alega ter direito a 1% da holding do bilionário. A briga até agora judicial será estendida ao mercado, com a chegada oficial da nova companhia, que deve começar a operação em fevereiro, com R$ 300 milhões em caixa.

Insegurança. A notícia foi recebida com surpresa no mercado. Empresários do setor dizem que a briga judicial em que Landim está envolvido gera um clima de insegurança em relação a sua figura e que seus planos não teriam fôlego para sair do papel. "É intriga da concorrência", diz um dos sócios de Landim na YXC.

A concorrência não se dá na produção de petróleo, mas na compra de blocos. As áreas são adquiridas de duas formas: por meio de leilões públicos realizados pela ANP ou por operações de compra e venda de blocos. Desde 2008, por causa da necessidade de se definir novas regras para exploração do pré-sal, os leilões foram suspensos e a única possibilidade de obter blocos passou a ser a negociação direta com petroleiras que já tinham concessão. Foi o que a HRT fez.

Agora, existe expectativa de que os leilões serão retomados. O presidente da ANP, Haroldo Lima, já sinalizou aos empresários que o próximo será marcado ainda neste semestre. Para participar, é preciso antes engordar o caixa. A venda de blocos, para quem já opera, é uma alternativa de capitalização. Mas a bolsa tem se tornado também um caminho natural. O braço de petróleo e gás da empreiteira Queiroz Galvão registrou em novembro do ano passado o pedido para fazer sua oferta inicial de ações. A australiana Karoon também entrou na fila, mas desistiu. Depois da capitalização da Petrobrás, ficou difícil conseguir amparo dos investidores. A ausência de nomes fortes entre seus executivos, de preferência com passagem pela Petrobrás, também teria desestimulado o IPO.

Essa corrida pelo petróleo não é explicada apenas pelo pré sal, mas também pelo preço do barril, que já foi de US$ 12, em 2003, e hoje está na casa dos US$ 90. Somado a isso, está o fato de que a Petrobrás está apostando todas as fichas na produção em águas profundas. "Nesse cenário, as novas petroleiras têm todo o restante do País para explorar", diz o consultor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, Adriano Pires.