Título: Bolsa-Família e emprego
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/01/2011, Notas e informações, p. A3

O fato de os beneficiários do Bolsa-Família ficarem menos tempo no emprego do que os trabalhadores de baixa renda não atendidos pelo programa e de, quando o perdem, demorarem mais para encontrar outra ocupação com carteira assinada é mais um dos graves problemas deixados pelo governo anterior, que não se preocupou em definir e colocar em prática medidas que propiciem às pessoas atendidas condições para abrir mão do benefício. Sem garantia de uma renda regular suficiente para substituir os pagamentos mensais que recebem do governo, os beneficiários tendem a se perpetuar no programa. Tornam-se clientes cativos do governo.

É inquestionável a importância do Bolsa-Família, que atende 12,9 milhões de famílias com renda mensal per capita inferior a R$ 140, com valores que variam de R$ 22 a R$ 200 mensais. Mas, apesar de seus efeitos positivos sobre a vida das famílias mais pobres, que resultaram na redução dos índices de pobreza e na melhoria do padrão de distribuição de renda, o programa tem problemas que precisam ser enfrentados com urgência, como observou a ministra do Desenvolvimento Social, Tereza Campello, em seu discurso de posse.

"O maior desafio continua sendo a inclusão produtiva, a geração de oportunidades de emprego e renda", disse a ministra. Em outras palavras, é preciso oferecer aos beneficiários do Bolsa-Família condições para que eles possam ascender social, econômica e profissionalmente por meio de seu trabalho, dispensando a ajuda governamental.

Reportagem de Marta Salomon publicada domingo pelo Estado, baseada em estudo de um consultor do Ministério do Desenvolvimento Social, não deixa dúvidas quanto à urgência da adoção, pelo governo, de medidas que melhorem as condições para a "inclusão produtiva" dos beneficiários do Bolsa-Família.

Quando esses beneficiários conseguem emprego remunerado, as condições de trabalho são precárias e a renda, incerta. Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sobre o relacionamento dos inscritos no Bolsa-Família com o mercado de trabalho constatou que, entre os que têm ocupação, 75,2% não dispõem de cobertura da Previdência Social - ou seja, estão na informalidade. É um índice muito maior do que o registrado em toda a população economicamente ativa, de 49,8% dos ocupados sem proteção previdenciária.

Se, eventualmente, consegue um emprego formal, com proteção previdenciária e garantias trabalhistas, o trabalhador inscrito no Bolsa-Família tende a ficar muito pouco tempo nele. "Menos de um ano depois da contratação, metade dos beneficiários é desligada e 30% perderão seus empregos em menos de seis meses", constatou Alexandre Leichsenring, consultor do Ministério do Desenvolvimento Social, no estudo Precariedade laboral, volatilidade de renda e a cobertura do Programa Bolsa-Família, que elaborou com o pesquisador do Ipea Sergei Soares. Quando os beneficiários saem do mercado de trabalho, sua recontratação é muito pouco provável, pois apenas 25% dos que foram demitidos conseguem novo emprego com carteira assinada no período de quatro anos.

Este é, seguramente, um dos fatores que tornam mais difícil para os beneficiários devolverem seus cartões de benefícios. O Bolsa-Família, ao contrário de outros programas de transferência de renda existentes na América Latina, não fixou prazo máximo de permanência dos beneficiários nas listas de pagamentos nem estimulou, de maneira mais efetiva, seus participantes a adquirir preparo profissional para obter de seu trabalho a renda necessária para viver sem ajuda governamental.

Baixa escolaridade dos inscritos no Bolsa-Família (mais da metade tem menos de quatro anos de estudo), baixa qualificação profissional e forte concentração regional de famílias pobres tornam mais difícil, para boa parte dos beneficiários, a obtenção de renda regular por meio de seu trabalho. Este é o desafio que o governo precisa enfrentar, para assegurar a mais brasileiros o acesso ao mercado de trabalho regular.