Título: Cinco estrelas para Hu
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Fonte: O Estado de São Paulo, 21/01/2011, Notas e informações, p. A3

Na antevéspera de sua visita de quatro dias aos Estados Unidos, para o oitavo encontro em dois anos com o seu colega Barack Obama, o presidente chinês Hu Jintao afirmou a jornalistas americanos, numa entrevista por escrito, que "a China e os Estados Unidos têm alta influência nos assuntos internacionais e compartilham importantes responsabilidades na manutenção da paz mundial e na promoção do desenvolvimento comum".

Com essas aparentes platitudes, Pequim dizia a Washington o que esperava das reuniões entre os respectivos dirigentes e dos contatos da delegação chinesa com a elite diplomática, militar e econômica americana: o reconhecimento de que o colosso asiático se tornou uma superpotência em pé de igualdade com os Estados Unidos e que a sua projeção na esfera global independe da aprovação da nação líder do Ocidente. Eis também por que o governo chinês deu excepcional importância ao protocolo da acolhida a Hu.

Em 2006, o então presidente Bush se recusou a considerar a primeira viagem de Hu aos EUA uma "visita de Estado", com toda a liturgia e demonstração de respeito que o termo denota, mas apenas uma "visita oficial", daquelas corriqueiras no mundo da diplomacia. A China revidou em 2009, dando a Obama uma recepção glacial. No ano seguinte, as relações sino-americanas desceram ao seu ponto mais conturbado em muito tempo, a uma enorme distância da "harmonia" pregada por Pequim.

Desta vez, Washington se empenhou em harmonizar o tratamento 5 estrelas exigido por Hu com a exposição das queixas americanas em relação à China. O presidente foi submetido a um festival gastronômico incomum até nas situações do gênero, a ponto de o almoço oferecido pelo vice-presidente Joe Biden e a chanceler Hillary Clinton terminar apenas duas horas antes do aguardado banquete de Estado. O jantar de gala na Casa Branca foi a deferência com que os Estados Unidos certificaram o novo status do país rival.

Ao mesmo tempo, Obama fez praça de cobrar de Hu, em público e em privado, respeito aos direitos humanos. As recorrentes violências chinesas têm no encarcerado escritor Liu Xiabo o seu símbolo mais atual. A crítica, ainda que polida, era o mínimo a esperar do presidente que recebeu o Prêmio Nobel da Paz um ano antes do preso político, em 2009, e cuja secretária de Estado excluiu o assunto de sua agenda na primeira ida a Pequim, naquele mesmo ano. Mas a grande novidade foi a resposta de Hu à inevitável pergunta sobre o tema, na entrevista coletiva nos jardins da Casa Branca, também ela ornada de pompa e circunstância além da conta.

Pela primeira vez um governante comunista chinês reconheceu que os direitos humanos são um valor universal e que o seu país "ainda precisa fazer muito" a respeito. Pode ser retórica, mas, como notou um analista americano, um tabu foi quebrado. Aqui e ali, a China também fez concessões sutis aos Estados Unidos. Segundo fontes de Washington, os visitantes se comprometeram a combater a pirataria de inovações americanas, acabar com a reserva de mercado às empresas chinesas nas licitações oficiais no setor de alta tecnologia e favorecer a interlocução entre os comandantes militares de ambos os países. (Os gastos chineses com defesa crescem mais do que a economia nacional.)

A China afinal concordou em defender o diálogo entre as duas Coreias, em vez de insistir na retomada de conversações multilaterais com o regime de Pyongyang para desanuviar as tensões na península e tratar de seu programa nuclear. Ainda pela primeira vez, as autoridades chinesas se disseram preocupadas com a usina norte-coreana de enriquecimento de urânio, recentemente revelada. Onde aparentemente nada mudou foi no contencioso sobre o yuan, que Pequim se recusa a desvalorizar para facilitar o acesso aos seus mercados. Anunciou-se, em todo caso, que a China comprará US$ 45 bilhões em produtos americanos. Já é algo para Obama aplacar os críticos de sua política chinesa, no Capitólio e nos grandes conglomerados que financiam a oposição.