Título: Pesquisa questiona uso de exame dos genes
Autor: Toledo, Karina
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/01/2011, Vida, p. A16

Cinco meses após receberem os resultados, 90% dos voluntários não relataram mudanças no estilo de vida ou em seu nível de ansiedade

Estudo publicado na última edição da revista New England Journal of Medicine avaliou, pela primeira vez, o efeito psicológico e comportamental dos testes genéticos preditivos sobre os pacientes. Cinco meses após receberem os resultados dos exames, 90% dos voluntários não relataram mudanças significativas no estilo de vida ou em seu nível de ansiedade.

Os pesquisadores recrutaram 3.639 pessoas dispostas a fazer exames para medir o risco genético para mais de 20 doenças, entre elas diabete, câncer, degeneração macular e obesidade. Antes de saber o resultado, elas preencheram uma pesquisa online para relatar seu nível de ansiedade, hábitos alimentares e prática de exercícios.

Cinco meses depois, os voluntários responderam a uma nova pesquisa onde informaram, além do nível de ansiedade, as mudanças que haviam feito ou planejavam fazer em seu estilo de vida.

Cerca de 2.037 pacientes responderam as duas pesquisas e mais de 90% deles não demonstraram diferenças significativas no nível de ansiedade, consumo de gorduras ou prática de exercícios. Aqueles que descobriram ter alto risco para algumas doenças, como o câncer por exemplo, afirmaram apenas que pretendiam fazer mais exames de rastreamento.

Comércio. Nos Estados Unidos há empresas que oferecem esse tipo de exame diretamente aos consumidores, ou seja, sem a necessidade de pedido médico. Especialistas sempre criticaram a prática, por considerar que ela pode induzir à realização de exames caros e desnecessários e causar sofrimento antecipado.

Grupos de cientistas, como os do Centro de Genética e Política Pública da Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, têm defendido a necessidade de regras mais rígidas para o setor. Em julho de 2010, o Accountability Office do governo americano (uma espécie de tribunal de contas), avaliou diversos testes vendidos diretamente aos consumidores e concluiu que os resultados eram "enganosos ou sem utilidade prática". O Food and Drug Administration (FDA, agência que controla alimentos e medicamentos no país) anunciou que aumentaria a fiscalização.

Segundo estudo publicado na revista Public Library of Science Genetics em 2009, o conhecimento do genoma não está avançado o suficiente para garantir exames precisos. Os pesquisadores analisaram a validade clínica de testes para diabete tipo 2, câncer de próstata, problemas cardíacos, degeneração macular relacionada à idade e doença de Crohn e concluíram que os resultados não aumentaram a capacidade de predição das doenças se comparado à análise de fatores de risco tradicionais.

Interdição. No mesmo ano, a rede brasileira de clínicas Anna Aslan, que oferecia comercialmente esse tipo de serviço, teve uma filial interditada pelo Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul e pela Vigilância Sanitária. A interdição ocorreu pela realização de procedimentos sem comprovação científica, uso de medicamentos sem registro e emissão de laudos por profissionais não habilitados.

A rede contava com unidades em São Paulo, Rio, Curitiba e Brasília e oferecia testes a um custo de R$ 900 a R$ 1.900. Procurada recentemente pela reportagem, uma funcionária do grupo informou que os testes não estão mais à venda. PARA ENTENDER

1.Doenças monogênicas

São determinadas por mutação em um único gene e sua manifestação não depende de fatores ambientais. São mais de 20 mil doenças, entre elas hemofilia, fibrose cística e anemia falciforme, mas são raras. Existem testes, feitos há mais de dez anos para detectar cerca de 1.400, mas só são recomendados em caso de histórico familiar.

2.Doenças complexas

Além de depender de vários genes, dependem também de fatores ambientais para se manifestar. São muito comuns, como diabete, hipertensão, obesidade e certos tipos de câncer. Nesses casos, os testes genéticos ainda não são suficientemente precisos para determina