Título: Calote reiterado
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Fonte: O Estado de São Paulo, 27/01/2011, Notas e informações, p. A3

Por um erro na fórmula de cálculo das contas de eletricidade, as concessionárias de energia elétrica cobraram a mais dos consumidores R$ 7 bilhões no período de 2002 a 2009, como foi reconhecido no ano passado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). A fórmula de cálculo da tarifa foi alterada, mas a agência reguladora passou por cima da questão do ressarcimento aos consumidores pelo que pagaram a mais do que deviam ao longo de quase uma década. Nesta semana, reiterando decisão anterior, a diretoria da Aneel negou um pedido de reconsideração feito por três parlamentares, alegando que não houve ilegalidade na cobrança e que as concessionárias seriam descapitalizadas se fosse feito o ressarcimento. A decisão da diretoria da Aneel foi tomada por unanimidade, o que demonstra uma total falta de compromisso com a defesa dos interesses do consumidor.

O valor a ser devolvido é de fato vultoso, mas a devolução poderia ser feita por meio de uma pequena redução mensal nas contas de luz até que se alcançasse o valor total a ressarcir. Aventou-se também a constituição de um fundo, para o qual contribuiriam tanto as concessionárias como o governo. Os recursos depositados seriam utilizados no ressarcimento dos valores pagos a mais pelos consumidores.

A diretoria da Aneel, porém, não buscou uma solução justa. O diretor Edvaldo Santana afirmou que, se fossem alterados os contratos entre a agência e as concessionárias para corrigir a fórmula de reajuste adotada de 2002 a 2009, as tarifas de energia "poderiam dar um salto".

Fique claro, em primeiro lugar, que não há quebra de contratos quando há um erro em seu cumprimento. Os contratos firmados entre a União e as concessionárias devem ser cumpridos à risca e, se houver equívoco na forma de cálculo da cobrança de tarifas por parte do órgão regulador, há que proceder à devolução do excesso cobrado. Não fazê-lo é que significa quebra de contrato.

É absurdo também imaginar que, para ressarcir os consumidores, as concessionárias, que já contabilizaram como receita os valores pagos a mais, teriam de aumentar as tarifas mais do que já se prevê em reajustes periódicos. Ou seja, para devolver ao consumidor o que dele foi cobrado a mais, as distribuidoras cobrariam ainda mais do consumidor...

O diretor da Aneel, Nelson Hubner, chega a dizer que não houve erro na fórmula, embora a própria agência tenha tomado a iniciativa de corrigi-la a partir de 2009. Como se não bastasse, diversas concessionárias, em audiências na CPI sobre tarifas de energia elétrica, em outubro de 2009, reconheceram que os reajustes feitos durante sete anos foram irregulares, o que foi confirmado pelo Tribunal de Contas da União. Os dirigentes das concessionárias, porém, ressalvaram que, embora dispostos a rever as tarifas, não o fariam por iniciativa própria, o que representaria, a seu ver, a admissão de que o erro seria de sua responsabilidade - e não da Aneel.

Insatisfeitos com a decisão da Aneel, que o relator da CPI, deputado Alexandre Santos (PMDB-RJ) classificou de "uma total falta de vergonha", os deputados que defenderam a restituição vão tentar a reparação por decreto legislativo ou por ações no Judiciário.

A questão é complexa, uma vez que sobre as contas de luz pesam tributos ou contribuições federais (PIS/Pasep) e Confins e, principalmente, um imposto estadual (ICMS). Os governos federal e dos Estados, portanto, também se beneficiaram do erro e deveriam devolver essa parte dos tributos aos contribuintes. Como a União e a maioria dos Estados veem-se às voltas com problemas fiscais, seria muito difícil, nesse momento, que o poder público se dispusesse a indenizar os contribuintes lesados.

Assim, a arrogância da Aneel e a sovinice tributária dos governos tendem a prevalecer sobre os interesses legítimos dos consumidores. Para as pessoas físicas e empresas que pagaram elevadas contas de luz - as tarifas brasileiras estão entre as mais altas do mundo -, o dinheiro surripiado por "erro na metodologia" pode ser considerado perdido para sempre.