Título: Ativistas no Rio contestam lista da `Casa da Morte¿
Autor: Tosta, Wilson
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/01/2011, Nacional, p. A7

Grupo Tortura Nunca Mais acha precipitada identificação, em Petrópolis, de restos que seriam de desaparecidos da ditadura, conforme diz o governo

O governo federal acredita ter indícios de que 19 desaparecidos políticos durante a ditadura de 1964-85, depois de torturados e mortos, foram enterrados clandestinamente em Petrópolis (RJ), mas a publicação da suposta descoberta abriu uma crise entre a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência e ativistas do setor.

O Grupo Tortura Nunca Mais do Rio (GTNM-RJ) diz ser precipitada a lista com nomes dos presumivelmente sepultados em dois cemitérios do município, divulgada no livro "Habeas Corpus - que se apresentem os corpos", editado pela secretaria na gestão passada. Responsável pela pesquisa desses nomes, Ivan Seixas reconhece que não há ainda comprovação de que os restos localizados sejam dos militantes citados - ele diz que há apenas "possibilidades" - mas defende o trabalho como passo importante nas buscas. Alguns listados estiveram presos na "Casa da Morte", centro clandestino de tortura mantido na cidade nos anos 70.

"Há suspeitas de que 19 pessoas enterradas nos cemitérios de Petrópolis sejam na realidade desaparecidos que passaram pela Casa", disse Seixas, ele mesmo um ex-preso político e filho de um militante.

Seu pai, Joaquim Alencar de Seixas, integrava o Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT) e, em São Paulo, foi morto por agentes do governo militar na prisão, segundo outros presos. Ivan trabalhou para o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em pesquisa sobre desaparecidos políticos, assessorando a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos. "O livro é apenas e tão somente um registro de todas as pistas que se tem sobre desaparecidos no País inteiro, para que as buscas continuem de algum ponto", defendeu.

Semelhanças. Os restos mortais que poderiam ser dos desaparecidos foram selecionados na pesquisa por terem características semelhantes: mortos em geral por ferimentos na cabeça, encontrados na rua e em datas às vezes próximas de desaparecimentos de presos. Apesar de o livro falar em 19 pessoas, dá nomes de 18 - pelo menos algumas teriam recebido novas identificações. Um seria Aluísio Palhano Pedreira Ferreira, da Vanguarda Popular Revolucionária, talvez enterrado como José Neves Filho. Outro seria Ivan Mota Dias, ativista da VPR supostamente sepultado como um desconhecido encontrado morto na Estrada União-Indústria. Ambos estão no Cemitério de Petrópolis.

Um terceiro corpo seria de Ísis Dias de Oliveira, que foi da Ação Libertadora Nacional (ALN) e teria sido identificada como Celita de Oliveira Amaral no Cemitério de Itaipava.

"Com o pouco levantado pela pesquisa em Petrópolis não se pode fazer ilações", disse Cecília Coimbra, do GTNM. Para ela, "é leviano afirmar o que está no livro. Em história, não se pode fazer ilações. É preciso testemunho e documento."

Lista. Outros militantes que, diz o livro, poderiam estar em Petrópolis são: Paulo Stuart Wright, David Capistrano, Celso Gilberto de Oliveira, Luiz Almeida Araújo, Heleny Teles Guariba, Sérgio Landulfo Furtado, Paulo Ribeiro Bastos, Umberto Albuquerque Câmara Neto, Honestino Monteiro Guimarães, Caiupy Alves da Costa, João Batista Rita, Joaquim Pires Cerveira, José Roman, Thomaz Antônio Meireles e Paulo Celestino da Silva. "Não sei de onde esses nomes foram tirados, pergunte à secretaria", disse Cecília. As buscas foram feitas em registros dos dois cemitérios, requisitados pelo Ministério Público Federal.

A Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência informou que apenas a primeira edição do livro, de 500 exemplares, mencionava a participação do GTNM-RJ, mas a menção foi retirada da segunda tiragem. A Secretaria, hoje comandada por Maria do Rosário, não comentou o conteúdo do livro, editado quando o secretário era Paulo Vannuchi, no governo passado.

PARA LEMBRAR

Rua Arthur Barbosa, 120. Nesse endereço funcionou em Petrópolis, no início dos anos 70, o centro clandestino de torturas e extermínio batizado por militantes de esquerda como "Casa da Morte" e "Casa dos Horrores", ponto de passagem comprovado de pelo menos quatro militantes mencionados na lista publicada em "Habeas Corpus". Aluísio Palhano Pedreira Ferreira, Heleny Teles Guariba, Paulo Celestino da Silva e Ivan Mota Dias foram vistos ou ouvidos por Inês Etienne Romeu, presumivelmente uma das poucas pessoas que sobreviveram às sevícias dos torturadores encobertos por codinomes como "Doutor Guilherme".

Detida em 1971 por pertencer à Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), Inês ficou presa em São Paulo e no Rio. Em 1972, denunciou à Justiça Militar ter sofrido "dias em cárcere privado, onde foi submetida a coações e sevícias de ordem física, psicológica e moral". Foi condenada à prisão perpétua, mas, anistiada em 1979, entregou à imprensa uma descrição da "Casa da Morte".