Título: Pais enfrentam a Justiça pelo direito de educar filhas em casa, como nos EUA
Autor: Bassette, Fernanda
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/01/2011, Vida, p. A17

As irmãs Vitória, de 11 anos, e Hannah, de 9, terão uma longa batalha pela frente para provar à Justiça de Serra Negra, no interior de São Paulo, que podem continuar estudando em casa, apenas com a ajuda dos pais.

Filhas de um americano com uma brasileira, as meninas foram tiradas da escola há três anos. Agora, os pais são alvo do Conselho Tutelar e do Ministério Público Estadual da cidade, que querem que eles cumpram o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), matriculando as meninas em uma escola regular.

Philip Ferrara, de 48, e Leila Brum Ferrara, de 44, são adeptos do movimento homeschooling ("ensino domiciliar", em inglês), prática de ensino amplamente difundida nos EUA - onde reúne mais de 1 milhão de adeptos -, mas proibida no Brasil.

As duas nasceram e viveram nos EUA por seis anos. No Brasil, os pais chegaram a matricular as meninas em uma escola regular particular, mas não gostaram da qualidade do ensino. Daí veio a decisão de oferecer a educação domiciliar para elas.

O problema é que o casal foi denunciado ao Conselho Tutelar, que constatou a ocorrência do que eles chamam de "evasão escolar" e pediu que o Ministério Público tome providências. "Esses pais estão descumprindo o estatuto e precisam rematricular essas crianças na escola", afirmou uma conselheira que não quis se identificar.

No final do ano passado, o juiz Carlos Eduardo Cilos de Araújo, da Infância e Juventude, instaurou um procedimento para analisar o caso e determinou que uma assistente social visitasse a família. Na primeira audiência, pediu aos pais um documento que comprovasse que esse tipo de formação garantiria às meninas condições de terem um diploma.

"Vou mandar esses documentos ao Ministério da Educação para me certificar se esse procedimento é válido ou não no Brasil", disse Araújo, que afirma nunca ter trabalhado em um caso semelhante na cidade.

Com apoio da Aliança Nacional de Proteção à Liberdade de Instruir e Aprender (Anplia), entidade criada pelo autônomo mineiro Cleber Nunes - que também tirou os filhos da escola e foi condenado pelo crime de abandono intelectual -, os pais de Serra Negra não querem entregar documento nenhum à Justiça.

"O Estado é que tem de provar que a escola é segura e o ensino é bom, não o contrário", diz Nunes. Leila, a mãe, endossa a afirmação e diz que não sabia que educar os filhos em casa era considerado crime no Brasil.

"Esse é um procedimento que faz parte da cultura americana. Minhas filhas fazem natação, balé, piano e treinam tênis. Estudam quatro horas por dia no período da tarde. São bilíngues em português e inglês. Nossa luta é para que as famílias brasileiras tenham liberdade para escolher como preferem educar seus filhos. Nós não vamos colocá-las de volta na escola", afirma.

Silvia Colello, professora de psicologia da educação da USP, critica a decisão dos pais. "A educação é muito mais que assimilar conteúdo e conhecimento. É conviver com pessoas, lidar com as diferenças, defender pontos de vista, ouvir opiniões contrárias. São coisas que não dá para aprender em um ambiente privado, particularizado", avalia.

Para Nunes, a Declaração Universal dos Direitos Humanos é clara ao dizer que cabe aos pais o direito de escolher o gênero de educação para dar a seus filhos. "É um tratado internacional, ratificado pelo Brasil, que está acima do ECA e de outras leis", diz.