Título: Regulação divide autoridades em Davos
Autor: Kuntz, Rolf
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/01/2011, Economia, p. B8

Dirigentes dos bancos centrais e banqueiros debatem regras para a concessão de crédito no Fórum Econômico Mundial

O jogo deste inverno no Fórum Econômico Mundial é a disputa entre banqueiros e reguladores. Chefões do sistema financeiro chegaram a Davos dispostos a superar a crise iniciada em 2007.

Dirigentes de bancos centrais, com a discrição costumeira, reafirmam a intenção de controlar mais duramente o setor. O maior estouro financeiro desde a crise de 1929 ocorreu num sistema hipertrofiado, com dimensões inimagináveis até há pouco tempo, comentou uma importante autoridade monetária do mundo rico. Quando a crise estourou, o valor de todos derivativos correspondia a US$ 600 trilhões, dez vezes o produto bruto mundial. Os créditos estrangeiros dos grandes bancos internacionais cresceram de US$ 7 trilhões em 2000 para US$ 26 trilhões em 2007.

Na quarta-feira, representantes do setor financeiro abriram fogo contra a nova regulação proposta pelo Banco de Compensações Internacionais (BIS), incorporada no programa e reformas do Grupo dos 20 (G-20). Regras mais duras para os bancos vão desviar os negócios para as instituições não reguladas, argumentou o presidente do Goldman Sachs, Gary D. Cohen. Peter Sands, diretor do Standard Chartered, do Reino Unido, usou uma imagem aeronáutica: não adianta exigir melhores cintos de segurança quando o controle do tráfego aéreo é sujeito a falhas. A nova regulação, segundo ele, é dirigida a um alvo errado. Um argumento econômico tem sido recitado com frequência: regras mais duras vão encarecer o crédito, complicar os financiamentos e prejudicar a expansão da economia.

O risco de desvio das operações para as instituições não reguladas é real, admitiu a autoridade monetária. Mas não avançou ao falar em regulação excessiva. As novas normas, conhecidas como Basileia III, são necessárias e serão implantadas de forma gradual até 2019.

A hipertrofia do sistema financeiro ocorreu com muita rapidez e surpreendeu as autoridades, confessou o especialista. "Não entendemos direito as transformações e seu potencial de risco", disse a autoridade. Vários fatores se combinaram na produção da mudança - tecnologia, globalização, criatividade, novas interconexões. "Somos mais espertos do que em 1929 e não repetiremos os erros. Em 1929 havia tempo para agir, porque o sistema explodiu em câmara lenta. Desta vez a explosão foi muito rápida."

Diante da novidade da crise, as autoridades tiveram de tomar providências não previstas nos manuais. O mundo entrou em recessão, mas, sem o socorro aos bancos, teria afundado numa depressão, argumentou.

Uma das medidas fora do manual foi a criação de liquidez no montante de 95 bilhões pelo Banco Central Europeu, numa decisão tomada depois de três horas de reunião, no começo da crise. É inútil e injusto, concluiu a autoridade e ponderou que muitos erram ao buscar um bode expiatório para crise. Houve grandes mudanças e falta trabalho acadêmico para decifrar essa nova realidade.