Título: Não dei golpe nenhum. E tudo mentira
Autor: Palácios, Ariel
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/10/2010, Internacional, p. A8

TENSÃO EM QUITO. A voz do acusado

Entrevista Lucio Gutiérrez, ex-presidente equatoriano e Líder opositor

No Brasil, Gutiérrez se defende da acusação de promover um Levante militar para derrubar o presidente do Equador

João Paulo Charleaux

Antes que o gás lacrimogêneo e a fumaça dos pneus queimados começassem a baixar nas ruas de Quito, o presidente equatoriano, Rafael Correa, já tinha um culpado pela rebelião de policiais que, na quinta-feira, convulsionou o país: Lucio Gutiérrez. O militar da reserva e ex-presidente do Equador (2003- 2005) já responde a um processo por tentativa de golpe de Estado e outro por tentativa de homicídio contra Correa, além de acusação de pirataria por supostamente ter mandado afundar navios civis de seu próprio país. Enquanto o "golpe" - nas palavras de Correa - estava em andamento em Quito, Gutiérrez descansava numa suíte de hotel em Brasília, "com visto de turista e conhecendo o sistema de votação eletrônica do Brasil". A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Estado por telefone.

¿ Por que Correa diz que o sr. está por trás dó que ocorreu em Quito? Porque ele é mentiroso, tem mania de perseguição e vive essa paranoia. Não houve golpe nenhum, mas sim um protesto de soldados rasos por melhores condições de trabalho. Você já viu um golpe que não fosse dado por altos oficiais?

¿ A Revolução dos Cravos, em", Portugal, em 1974, foi feita por tenentes. Mas esses militares equatorianos eram subalternos, não oficiais. Eles só queriam aumento, protestavam contra a nova lei, não queriam derrubar presidente nenhum. Corre a é que foi irresponsável de ir ao quartel brigar com os manifestantes, fazer discursos sobre ¿socialismo. E claro que, em resposta, os policiais começaram a gritar meu nome, dizendo que, no meu governo, tudo era melhor, havia menos desemprego, menos pobreza. Eu tenho culpa de gritarem o meu nome?

¿ O sr. quer dizer que tudo não passa"de ciúme? Deve ser. O Banco Central equatoriano diz que, no meu governo, o país cresceu 8%. Agora, com Correa, não cresce mais de 0,36% (a projeção para 2010 é de 2,5%, metade da média estimada para a América Latina). No Equador, os indígenas, os agricultores, os professores, todos já fizeram manifestações gritando meu nome. Eles sabem como eram as coisas antes e como são agora Tudo piorou com Correa.

¿ Mas o sr. participou do golpe Contra o presidente Jamil Mahuad, em 2000. Não. Eu apenas me uni a uma "rebelião popular por Justiça. O governo da época era um desastre, bloqueou as contas bancárias dos equatorianos, havia gente se suicidando nas ruas . Eu participei de uma rebelião que, em seguida, desembocou num golpe de Estado, mas eu não fiz parte do triunvirato que governou o país (Gutiérrez perdeu o lugar para o general Carlos Mendoza no governo de facto, foi preso e obrigado a ir para a reserva).

¿ Quer dizer que o golpe no Equador não tem nenhuma semelhança com o que ocorreu no Chile, em 1973, no Brasil em 1964, ou na Venezuela, em 2002?

A Venezuela de 2002 foi como o Equador da semana passada. Dois presidentes querendo aparecer. Só isso.

¿ O sr. está dizendo que foi um autogolpe? Correa é o tipo de presidente que, quando passa com sua comitiva e é xingado, para, desce do carro e bate boca com qualquer mulher na rua, qualquer gorda horrorosa. Ele não se dá o respeito, se expõe. É uma vergonha. Foi isso o que ele fez na quinta-feira, mas se deu mal. Ele não esperava a reação que encontrou.

¿ O sr. será candidato nas próximas eleições, em 2012? Isso não é assim, não posso dizer.Depende da conjuntura dos próximos anos. Primeiro, temos de reconstruir o sistema político equatoriano, todos os partidos, reunir as bases. Correa acabou com a liberdade de expressão no Equador, criou um monstro socialista insustentável. Trata-se de um modelo absurdo de socialismo bolivariano, que está condenado a morrer tão logo ele e o (presidente venezuelano) Hugo Chávez deixem o poder. É isso o que tem de ser combatido. QUEM É * Militar, participou de um golpe de Estado em 2000, foi eleito presidente, em 2002, e destituído, em 2005