Título: A derrota de Chávez
Autor: Llosa, Mario Vargas
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/10/2010, Internacional, p. A12/13

A derrota de Chávez nas eleições parlamentares da semana passada é muito mais significativa do que indicam os números, pois, ao mesmo tempo que mostra a crescente impopularidade do caudilho venezuelano, expõe aos olhos do público a grotesca manipulação do voto popular preparada preventivamente a Assembleia Nacional para 242.553 -I segundo resultados oficiais, o placar foi de 5.642.553 votos a 5.399.574 - por que ali a engenharia eleitoreira de Chávez, com a cumplicidade de seus parlamentares e do Poder Eleitoral, havia emendado a lei para dar uma representação elefantina às circunscrições rurais, onde tinha forte penetração, e encolher as urbanas, nas quais a oposição era majoritária. Calculou-se que, com essa desproporção, o regime precisasse de apenas 30 mil votos para conseguir um deputado, enquanto os opositores da Mesa da Unidade Democrática (MUD) precisavam de 140 mil. Isto explica porque a oposição, tendo obtido 52% dos votos, fez só 65 deputados, e o chavismo, com 48% dos votos, obteve 98. São esses mi1agres matemáticos que produzem o socialismo do século 21. Não estranha que, para comunicar esse dados, o Conselho Nacional Eleitoral demorasse oito horas a mais do que o previsto e Chávez, sempre tão falastrão, emudecesse por 24 horas antes dar a cara à imprensa. Dessa vez, ele não se atreveu á dizer, como a derrota de sua reforma constitucional, em 2007, que se tratava de "uma vitória de m ... ". Ele apenas agradeceu ao "povo revolucionário" pela "vitória" que lhe outorgara. Um aspecto interessante da consulta é que os Estados mais castigados pelo caudilho (por terem eleito, no passado, governadores e prefeitos hostis ao regime) com cortes dos repasses e cancelamento de programas sociais, em vez de se deixarem intimidar, redobraram sua oposição. Foi assim em Miranda, Táchira, Zulia e em Caracas, onde a oposição derrotou o oficialismo pela primeira vez em 12 anos. Com os 65 deputados na Assembléia Nacional, a opoisção terá a força necessária para frear as reformas constitucionais que Chávez preparava ¿ são necessários dois terços para isso ¿ a fim de acelerar a estatização e o dirigismo da economia, acaba com as empresas privadas e a imprensa independente, fechar os limitados espaços críticos que ainda existem nos âmbitos políticos, sindical, social e cultural. O avanço do regime para um modelo cubano terá muito mais obstáculos agora que o próprio povo venezuelano comprovou que, com a simples ação de depositar um voto numa urna, podia advertir um governo que transformou a Venezuela no país com a mais alta taxa de inflação da América Latina, o mais alto índice de criminalidade, um dos paises mais corruptos e ineficientes do planeta e onde a queda dos níveis de vida da classe média é mais rápido. Neste ano, a Venezuela será o único país da América Latina com crescimento negativo. As forças da oposição a Chávez não devem cantar vitória nem se vangloriar por esse excelente resultado. Nem tornar a cometer erros como o de 2005, quando, por se abster de participar no processo eleitoral, entregaram a Chávez uma Assembléia Nacional servil que, durante todos esses anos, não foi mais do que uma dócil servidora dos desatinos constitucionais e legais do comandante. É imprescindível que a união dos partidos, movimentados e pessoas da oposição se mantenha e se responsabilize, porque, desta maneira continuará ganhando adeptos se somando em suas fileira os venezuelanos que, vexados ou atemorizados pelas represálias do regime, se abstiveram de participar dessa disputa. Reprova-se na oposição venezuelana a carência de lideres, ela não ter à frente figura carismáticas que arrebatem as massas. Mas como ainda se há de acreditar em caudilhos? Não foram eles, esses palhaços horripilantes com as mãos manchadas de sangue, embustes inflados de vaidade pelo servilismo e a adulação dos que os cercam, a razão dos piores desastres da América Latina? A existência de um caudilho carismático supõe sempre a abdicação da vontade, do livre arbítrio, do espírito criador e da racionalidade de todo um povo ante um individuo ao qual reconhece como ser superior, melhor dotado para decidir o que é bom e o que é mau para todo um país. É isso que queremos? Que venha um novo Chávez para nos livrar de Chávez? Eu discordo. Estou convencido de que a América Latina só será verdadeiramente democrática, sem reversão possível, quando a imensa maioria dos altinos-americanos estiver vacinada contra a idéia irracional, primitiva, incompatível com a cultura da liberdade, de que só um super-homem pode governar eficazmente. Os venezuelanos assim acreditaram quando apareceu Chávez, com sua voz tonitruante, seus disparates bolivarianos e seus monólogos pretensiosos, e votaram em massa nele, descrendo da democracia. Assim foi. Eles pagaram caro por isso. Agora, aprenderam a lição e uma das boas coisas que estão fazendo, enquanto enfrentam a semiditadura, é ter renunciado aos caudilhos. Agora, eles têm dirigentes que merecem respeito, não adoração religiosa, pois trabalham em equipe, buscam consensos e diálogo, isto é, já começam a praticar a cultura democrática que voltará a ser a da terra de Bolívar quando Chávez não for mais que uma dessas figuras borradas de uma tradição de vergonha e atraso. Os meses e anos que a Venezuela tem pela frente não serão fáceis. O regime avançou demais na construção de algumas estruturas ditatoriais e muita gente já prospera nelas para que Chávez, acate a vontade popular, retifique sua politica e esteja disposto a se retirar do poder se as urnas mandarem. O perigo maior é que, depois dessa surra pacifica que acaba de receber, ele se enfureça e consiga, com decretos e desmandos, o que não conseguiu pelo voto. E instale a censura, liquide a imprensa não alinhada, acabe com toda forma de oposição e estatize a economia. Isso não será fácil. Eles já perdeu aquele estado de graça do caudilho messiânico e agora os venezuelanos sabem que ele é falível e vulnerável. A vizinha-se um período tenso, no qual, uma vez mais como há dois séculos, se decidirá na terra venezuelana o futuro da liberdade em toda a América Latina. Tradução de Celso M. Paciornik