Título: Concorrência acirrada leva à queda dos juros pagos pelos consumidores
Autor: Modé, Leandro
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/10/2010, Economia, p. B1

Mesmo com a alta da taxa básica da economia, bancos e lojas reduzem os juros de pessoas físicas para aproveitar a onda de consumo

SÃO PAULO - O Brasil pode estar assistindo ao início de uma mudança estrutural no mercado de crédito. Apesar da alta do juro básico da economia (Selic) entre abril e junho, os empréstimos ao consumidor ficaram mais baratos. Enquanto a Selic saiu de 8,75% para 10,75% ao ano nesse intervalo, a taxa média cobrada das pessoas físicas caiu de 41,1% para 39,9% ao ano, menor nível desde que o Banco Central (BC) começou a fazer a pesquisa, em 1994.

Executivos de bancos e analistas atribuem o movimento aparentemente contraditório a um grupo de seis fatores, entre eles o acirramento da competição. "Há uma concorrência feroz", diz o diretor do Departamento de Empréstimos e Financiamentos do Bradesco, Otávio de Lazari Júnior. "É uma concorrência não apenas entre as instituições financeiras, mas também entre os produtos", emenda o vice-presidente executivo de Varejo do Santander, José Paiva Ferreira.

Quando fala de produtos, Paiva cita por tabela outra das razões que têm provocado a queda das taxas: uma alteração no chamado mix das operações de financiamento. As duas linhas de crédito com maior peso no segmento de pessoas físicas ¿ automóveis e consignado ¿ estão também entre as mais baratas. Em agosto, por exemplo, o juro médio do crédito consignado era de 26,4% ao ano. À medida que essas linhas abocanham espaço, o juro médio cai.

Se fosse só isso, o recuo geral teria como explicação um efeito estatístico. Mas há também fatores conjunturais, como a melhora dos índices de inadimplência e a ascensão social; estratégicos, como a busca dos bancos para garantir hoje bons resultados no futuro; e comportamentais, que os executivos definem como educação financeira.

"Há uma mudança silenciosa ocorrendo no País", afirma o diretor de crédito do Banco do Brasil (BB), Walter Malieni Júnior. "A educação financeira está avançando. Clientes que antes se financiavam no cartão de crédito (linha mais cara do mercado, superior até mesmo à do cheque especial) agora fazem empréstimo consignado."

Fora da UTI. O analista de instituições financeiras da Austin Rating, Luís Miguel Santacreu, faz coro. "O brasileiro está saindo das modalidades que costumo chamar de UTI: cheque especial e rotativo do cartão de crédito", constata.

Do ponto de vista estratégico, Malieni Júnior observa que elevar a concessão de empréstimos hoje é uma forma de as instituições financeiras assegurarem uma boa rentabilidade no futuro. A lógica que embasa o raciocínio é a seguinte: 10 entre 10 analistas acreditam que a taxa básica de juros vai cair no médio e longo prazos.

Para os bancos, portanto, emprestar com as elevadas taxas atuais é quase como contratar um seguro que vai garantir ganhos polpudos lá na frente, quando a conjuntura econômica mudar.

A propósito de conjuntura, a atual é caracterizada por emprego e renda em alta e, em contrapartida, calote em queda. É uma situação que dá sinal verde para os bancos emprestarem.

"A inadimplência está controlada e o viés é de queda", diz Malieni Júnior. Em agosto, segundo os dados do BC, a inadimplência entre as pessoas físicas estava em 6,2%, menor nível desde setembro de 2005.

O segundo fator conjuntural destacado pelos especialistas ¿ e sexto na lista geral ¿ é a ascensão social dos últimos anos. "Vinte e seis milhões de pessoas migraram para a classe C nos últimos cinco anos. Elas entram no mercado consumidor e são `bancarizadas¿", observa Lazari Júnior, do Bradesco.

"O estreitamento da relação do cliente com a instituição financeira permite a redução das taxas de juros", completa Paiva, do Santander.

Mais expansão. Pesquisa da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) realizada em setembro mostra que as instituições projetam uma expansão de 20,5% do crédito às pessoas físicas em 2010. Para as empresas, a expectativa é de uma alta de 19,2%.

Três meses antes, a projeção da taxa de crescimento dos empréstimos às empresas era maior: 20,8% ante 20,7%. É mais uma amostra de que a situação é amplamente favorável à concessão de empréstimos às pessoas físicas. Tão favorável que já causa preocupações.

Na semana passada, durante apresentação do Relatório Trimestral de Inflação, o diretor de Política Econômica do BC, Carlos Hamilton Araújo, chamou atenção para a velocidade de crescimento do crédito.

"Nós entendemos que taxas de crescimento de crédito como as que temos atualmente não são compatíveis com o cenário em que a economia cresce com taxas mais adequadas", afirmou.