Título: Mercado aposta em continuidade e ignora eleição
Autor: Modé, Leandro
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/10/2010, Economia, p. B4

Para investidores, tripé da política econômica será mantido independentemente de quem ganhar a eleição presidencial

Pela primeira vez desde que o Brasil voltou a realizar eleições diretas para a Presidência da República, o mercado financeiro passou incólume por uma campanha. Nem Dilma Rousseff (PT) nem José Serra (PSDB), os dois candidatos favoritos desde o início do processo, assustaram os investidores - tanto brasileiros quanto internacionais.

Do começo do ano até sexta-feira, o Índice da Bolsa de Valores de São Paulo (Ibovespa) apresentava valorização de 2,4%, a 70.229 pontos. Segundo especialistas, o desempenho só não foi melhor por causa das tensões provocadas pela crise da Grécia durante grande parte do primeiro semestre e da capitalização da Petrobrás, que derrubou os preços das ações da estatal.

Outro importante termômetro do humor dos investidores, o dólar acumulava até sexta-feira queda de 3,7%, a R$ 1,679. "A eleição foi um não-evento", sintetiza a principal executiva da Fator Administração de Recursos, Roseli Machado, recorrendo a uma expressão comum no mercado para classificar um fato desimportante para os investidores.

A explicação para a calmaria inédita passa pela certeza de que os chamados pilares macroeconômicos serão mantidos no próximo governo: metas de inflação, câmbio flutuante e superávits fiscais que garantam a redução da dívida pública no médio e longo prazos. Para economistas, esse tripé é o grande responsável pelo crescimento com estabilidade nos últimos anos.

"O Brasil está com a inflação na meta nos últimos sete anos, as expectativas de inflação para os próximos anos estão ancoradas, as reservas superam US$ 270 bilhões, a relação dívida pública líquida sobre o PIB (Produto Interno Bruto) está cadente e o crédito está subindo. Portanto, temos uma economia estabilizada", disse ao Estado o presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles.

Para o estrategista-chefe do banco WestLB no Brasil, Roberto Padovani, o Brasil virou "um país normal". O presidente do Deutsche Bank no Brasil, Bernardo Parnes, completa: "No geral, o investidor avalia que o Brasil adquiriu um nível de maturidade diferenciado."

Na visão dos profissionais, nem mesmo em 2006 o clima era tão tranquilo. "Hoje a situação econômica do País é mais consolidada do que há quatro anos", afirma o diretor executivo da NGO Corretora de Câmbio, Sidnei Nehme. "Além do mais, houve uma diferença muito importante, que foi a maneira como o Brasil enfrentou a crise de 2008, saindo mais forte do que entrou. Isto deu confiança aos agentes econômicos", reforça Meirelles.

Outro profissional, que pede para não ser identificado, lembra ainda que, em 2006, o País vivia o rescaldo do escândalo do mensalão. Segundo ele, havia dúvidas sobre a força do presidente Lula em um segundo mandato.

Na medida em que o País define o que se chama tecnicamente de regime de política econômica, explica Padovani, as eleições passam a ser um evento comum. Ele compara com o que costuma ocorrer nos EUA. Lá, diz, o mercado financeiro não fica nervoso nem quando há grandes polêmicas eleitorais. O economista cita como exemplo a primeira eleição de George W. Bush, no ano 2000, definida após acusações de fraude em alguns Estados.

Desafios. A tranquilidade com que os profissionais falam do presente se converte em preocupação quando tratam do futuro. Sozinho, o tripé macroeconômico não garante um crescimento adequado para um país como o Brasil no longo prazo. "Temos de retomar uma política fiscal mais dura", afirma, por exemplo, o economista-chefe do Barclays Capital, Marcelo Salomon.

Para ele, o governo brasileiro ganhou uma espécie de licença para gastar nos últimos dois anos por causa das políticas de reação à crise e porque, comparada com vários países (inclusive desenvolvidos), a situação fiscal brasileira é melhor. Mas ele alerta que tal cenário não vai durar para sempre.

Salomon vê outro grande desafio: como equacionar a valorização do real que deve seguir-se ao forte ingresso de divisas no País para bancar os investimentos em infraestrutura dos próximos anos. "Podemos manter por alguns anos um déficit em conta corrente alto, desde que os investimentos sejam orientados para financiar a infraestrutura, não o consumo", afirma.

Os especialistas também criticam a pouca atenção dada, durante a campanha, às reformas que podem aumentar o potencial de crescimento do País. Entre elas, a tributária, a previdenciária e a trabalhista.