Título: Sem policiamento, cidadãos se unem para conter saques
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/01/2011, Internacional, p. A22

Governo ordenou o fechamento de todos os bancos e comerciantes armazenam seus produtos em mesquitas

A polícia abandonou a população e, nos bairros populares do Cairo, formavam-se ontem conselhos populares de defesa para a proteção de casas e lojas. Mesquitas começaram ainda a ser usadas como depósitos de lojistas e ambulatórios. Temendo saques, o governo fechou todos os bancos do Egito e o Exército exortou a população a conter por conta própria as "hordas de vândalos" que saqueiam lojas.

Um dos principais shoppings da capital, o Arquidia, na beira do Rio Nilo, foi tomado e em seguida incendiado por gangues. O Estado chegou quando muitos deixavam o local com computadores, televisões e outros produtos nas costas. Sem contar com a ajuda da polícia, os lojistas tentavam expulsar os saqueadores com facões e bastões de ferro.

Parte dos produtos salvos foi levada a uma mesquita da região de Fhubra, onde comerciantes acreditavam que não seriam atacados. Pessoas da região também buscavam abrigo para seus pertences no templo religioso. Na porta, dezenas de pessoas traziam como formigas roupas, geladeiras, móveis, brinquedos e lustres de cristal para protegê-los dos saques. Dentro, o imã organizava sua mesquita de cerca de 400 metros quadrados como um depósito. De um lado, só eletrodomésticos. De outro, roupas.

Acima da proteção das propriedades de seus fiéis, porém, o imã exigia respeito ao templo. Todos eram obrigados a tirar os sapatos antes de entrar na mesquita. Mulheres tinham de cobrir a cabeça com lenço para não profanar o local.

Perto dali, outra mesquita cedia parte de seu espaço para o tratamento de dezenas de pessoas feridas. Uma fila rapidamente se formou depois que uma enfermeira e um médico anunciaram que tratariam de feridos dos combates de rua.

Nas ruas, era a própria população que organizava manifestações, orientava o tráfego, protegia carros de opositores violentos. Às seis horas, um grupo de cerca de 20 manifestantes chegou em um caminhão na praça central do Cairo com vassouras. Os opositores começaram a limpar a sujeira provocada pelos protestos durante a sangrenta madrugada. "Essa é nossa cidade e temos de cuidar dela", disse Ahmed, um dos manifestantes.