Título: Briga de sócios leva Odebrecht a fazer
Autor: Jr., Gilberto Scofield
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/01/2011, Economia, p. 36

Nas últimas semanas, investidores de grandes instituições financeiras foram procurados por executivos das empresas do grupo Odebrecht na tentativa de reduzir a expectativa sobre os desdobramentos de uma disputa bilionária envolvendo o controle do conglomerado de 12 empresas com interesses nos setores de construção, petroquímica, petróleo, gás, álcool e açúcar, entre outros, e que faturou R$40,6 bilhões em 20 países em 2009. Trata-se da briga entre duas famílias ¿ Odebrecht e Gradin ¿ que por 40 anos foram sócias e construíram um dos maiores grupos empresariais do Brasil.

A disputa dura desde maio de 2010, mas ganhou contornos de enfrentamento em outubro passado. Na ocasião, a família Odebrecht, dona de 62,3% da Odebrecht Investimentos S.A. (Odbinv, holding dos negócios do grupo) alegou estar usando o acordo de acionistas, que regula as relações entre os sócios, para comprar compulsoriamente os 20,6% de ações pertencentes aos Gradin ¿ um valor calculado pelo banco Credit Suisse First Boston (CSFB) em US$1,5 bilhão ¿ e os 17,1% restantes, pulverizados entre 11 sócios com participações individuais que vão de 0,19% a 3,7%.

A família Gradin (o patriarca Victor e seus três filhos: Ana Maria, Bernardo e Miguel, reunidos na empresa Graal) reagiu e, em dezembro, após uma carta dando 48 horas para a entrega das ações aos Odebrecht (reunidos na empresa Kieppe), entrou com uma ação na 10ª Vara Cível da Justiça baiana, também citando o acordo de acionistas e pedindo a arbitragem judicial.

Clima é de confronto, diz um grande investidor

A Kieppe tentou barrar a tramitação do processo alegando que o acordo não prevê arbitragem, mas a juíza Maria de Lourdes Oliveira Araújo não entendeu assim. Recusou o pedido e marcou para o dia 23 de fevereiro uma audiência de conciliação. Como a possibilidade de cordo é nenhuma, segundo os sócios, será escolhido um mediador para o caso, que pode se arrastar por meses.

¿ Estamos acompanhando muito de perto a briga ¿ diz um grande investidor. ¿ Porque ainda que a disputa acionária aconteça numa companhia de capital fechado, os desdobramentos são imprevisíveis. Mesmo que um acordo acionário seja alcançado, com trocas de papéis, o clima é de confronto. Como a mudança acionária pode agora não afetar a administração das empresas?

Mas não se pode falar da disputa na Odebrecht sem perder de vista que foram as duas famílias, segundo os sócios, as responsáveis pela transformação da empresa no conglomerado de hoje. Em 1974, o patriarca Norberto Odebrecht, hoje com 91 anos, fundador da empresa, convidou o economista Victor Gradin, de 78 anos, a expandir para o resto do Brasil e diversificar as operações da empreiteira.

Victor Gradin ajudou a Odebrecht a entrar na área petroquímica e participou de forma decisiva em soluções financeiras quando a Odebrecht se endividou para investir em outros ramos, comprando aos poucos seus lotes de ações. Já Norberto fez crescer a construtora.

Quando os sócios decidiram transferir o controle da Odebrecht para uma holding de capital fechado, em fins da década de 90, Victor Gradin tinha 10% da empresa. A Kieppe havia apostado em negócios que se revelaram pouco rentáveis, como a compra da empresa alimentícia Cica ou a rede de supermercados Bom Preço, e a solução na época foi incorporar o endividamento na nova holding.

Isso reduziu os papéis dos Odebrecht e aumentou a fatia dos outros sócios, como a participação dos Gradin, que subiu para 20,6%. Em 2001 foi fechado o acordo de acionistas, válido até 2021, em que se prevê a compra e venda de ações entre os sócios-administradores quando estes atingem 70 anos ou deixam a condição de executivos.

Tentativas de conciliação entre as partes fracassaram

Tudo parecia transcorrer em normalidade até que as novas gerações das famílias ¿ o filho Emílio e o neto Marcelo, por parte de Norberto Odebrecht, e os filhos Bernardo e Miguel, por parte de Victor Gradin ¿ passaram a ocupar cargos executivos no conglomerado. Em maio, Marcelo Odebrecht, presidente do grupo, avisou aos minoritários que pretendia criar um novo acordo de acionistas para permitir a entrada de jovens executivos na composição acionária da controladora. Os Gradin, capitaneados por Bernardo, recusaram o novo formato (segundo eles, bastante prejudicial aos minoritários) e iniciou-se aí um processo de negociação que descambou para o embate quando Marcelo anunciou a compra compulsória das ações.

Tentativas de conciliação fracassaram. Em novembro, Bernardo deixou a presidência da Braskem depois de dois anos e meio no comando, período em que fez sua expansão internacional. No mesmo mês, Miguel deixou o comando da Odebrecht Óleo e Gás, após concluir uma parceria com a Petrobras em cinco plataformas. O patriarca Victor permaneceu como membro do Conselho de Administração da holding. Os Gradin afirmam que não querem deixar a empresa. Nas discussões, sugeriram um acordo em que a família trocaria suas ações na holding por participações em empresas controladas, como a Braskem. Assim continuariam no negócio. Mas a proposta foi vetada por Marcelo Odebrecht.

A briga se dá em torno de dois pontos do acordo de acionistas: as circunstâncias em que um sócio pode exercer a opção de compra das ações de outro sócio e a avaliação do patrimônio do grupo, feita pelo CSFB. No primeiro aspecto, os Odebrecht afirmam que EM 2004, quando Victor Gradin fez 70 anos, as ações do patriarca deveriam ter sido vendidas à Kieppe (mas não explicam por que não o fizeram). Os Gradin dizem que, como Victor ainda é conselheiro da empresa, pode permanecer como sócio. Além disso, suas ações foram divididas entre os filhos, que até ano passado eram executivos do grupo e, portanto, não tinham de vender suas ações.

No segundo aspecto, os Gradin acham que a avaliação do CSFB deve ser revista, pois só considera o quanto a holding valeria se tivesse suas ações em Bolsa em 2009. Em dez anos, o patrimônio do grupo Odebrecht saltou de US$312 milhões (em 1999 após o fechamento do capital) para US$7,4 bilhões em 2009, segundo o CSFB. Para os Gradin, o montante não reflete o valor real: o cálculo não inclui as aquisições da Odebrecht feitas em 2010 nem leva em conta o potencial das mais promissoras empresas do grupo: Braskem, Odebrecht Óleo e Gás e a construtora, negócios que acenam com bons lucros em períodos de expansão econômica e as descobertas do pré-sal.