Título: Na praça, até o despertar da democracia
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Fonte: O Estado de São Paulo, 06/02/2011, Internacional, p. A14

Manifestantes anti-Mubarak, como o empresário Ahmed, mostram disposição para enfrentar grupos patrocinados pelo governo

Mohamed Ahmed diz que nunca havia participado de manifestações antes em sua vida. "Estava estudando e depois trabalhando para ganhar dinheiro", afirmou. "Além disso, eu achava que se fôssemos à rua protestar não sobreviveríamos", disse.

Ele é apenas um entre os milhares de jovens que descobriram na semana passada um aroma, ainda que tímido, de democracia. Aos 32 anos, conta que sua vida mudou. "Tenho uma empresa de exportação e importação. Mas há dez dias ela está fechada e eu estou aqui na praça", afirmou. "Basta de ver meu dinheiro ir para alguém que eu sei que não me representa. Hosni Mubarak foi um herói. Mas sujou sua história com a repressão nos anos seguintes", disse.

Nos últimos dias, seu trabalho tem sido o de garantir o abastecimento de alimentos dentro da praça para permitir que os manifestantes possam permanecer no local e deixar claro que a praça ficará nas mãos da oposição.

Ahmed admite que ficou com medo da violência. "Mas eu achava que não resistiríamos. O fato de termos resistido mostra que o movimento é real", afirmou.

Questionado sobre o que faria após o fim do conflito, Ahmed não teve dúvida em sua resposta: votar. "Nunca votei", explicou. "Aqui, nosso voto não vale nada. Por isso nunca me importei em participar. Mas, se a democracia vier, vou fazer questão de exercer meu direito", disse.

O tumulto não tirou de Ahmed seu sentido empreendedor. Ao ver que a reportagem era do Brasil, insistiu em obter informações sobre a produção de etanol. "Quero entrar nesse ramo. Claro, depois que o atual governo cair", completou.

"O egípcio, que diz ter ficado sabendo dos primeiros protestos pelo Facebook, mostrou ao Estado um dos segredos da resistência: uma catapulta improvisada e colocada em uma das ruas que dava acesso à praça. Fabricada no local, a arma medieval garantiu a defesa da região. Madeiras foram usadas para construir a catapulta, além de uma cesta de feira que era usada como o local para colocar os objetos que seriam atirados ao outro lado das barricadas.

Na cesta, pedras retiradas do chão da cidade do Cairo com picaretas. "Por sorte a oposição tem muitos engenheiros", brincou. Segundo seus colegas de resistência, a catapulta foi fundamental na madrugada de quinta-feira. "Freamos um grupo violento", comemorava Ahmed.

Questionado se não temia matar alguém, o grupo se mostrou irritado. "São eles ou nós. Não queríamos a guerra. Mas eles nos obrigaram a entrar nela", alertou um dos manifestantes. Sobre o fim do impasse, outro egípcio respondeu: "Isso já está resolvido, é questão de tempo. Já sabemos quem ele é, sobre o dinheiro que tem na Suíça. Antes tínhamos medo do que poderia ocorrer se reclamássemos. Agora, o faraó está nu."