Título: Em meio à crise, egípcios tentam salvar museu
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Fonte: O Estado de São Paulo, 06/02/2011, Internacional, p. A14

Voluntários ajudam a preservar um dos mais valiosos acervos históricos do planeta, ameaçado pela violência das manifestações

No epicentro do conflito no Egito, a segurança de um prédio preocupa arqueólogos, historiadores e a Unesco. Trata-se do Museu Egípcio, também conhecido como Museu do Cairo, residência de peças fundamentais da civilização egípcia e nesta semana testemunha de uma guerra. O Exército posicionou tanques para proteger o local, além de atiradores de elite no teto do museu.

No entanto, em sua porta e em volta do edifício, foram simples voluntários que nos primeiros momentos da crise se dedicaram a proteger os tesouros. "Estamos protegendo parte da história do mundo", disse ao Estado o historiador Tarek Hamid, que por anos trabalhou no departamento de arqueologia da Universidade do Cairo.

"Vou ficar aqui até que a crise termine", afirmou. Além dele, pelo menos outros 20 voluntários cumpriram a mesma tarefa, até mesmo informando o Exército sobre eventuais riscos e sobre como guardar as peças mais importantes.

Na prática, foram esses voluntários que salvaram em grande parte milhares de peças e milênios de história.

"Nós formamos uma corrente humana e estávamos armados com paus e barras de aço", disse. "Criminosos sabem que, em momentos de crise, raramente a cultura de um país é protegida."

O mundo da arqueologia sabe que, todas as vezes em que um país entra em crise política e cai em uma situação de desordem, gangues e o crime organizado se aproveitam da turbulência para roubar relíquias históricas e revendê-las por milhões de dólares no mercado negro internacional.

Situação semelhante. Em 2003, antes dos ataques americanos contra Bagdá, arqueólogos de todo o mundo e autoridades começaram a proteger algumas das peças mais valiosas do Museu Nacional do Iraque onde estavam algumas das únicas provas da primeira civilização do mundo há sete mil anos. O esforço não foi suficiente. Cerca de 15 mil peças foram destruídas ou roubadas. Há poucos meses, um estudo mostrou que 7 mil delas continuam desaparecidas. Na guerra de 1991, o museu teve seu material transferido para países vizinhos, entre eles o Egito.

O governo egípcio garantiu que o Exército está posicionado nas entradas do museu e o prédio está sendo vigiado 24 horas. Mas o local que guarda a mascara de ouro do rei Tutancâmon já mostrou que não é inviolável.

Duas múmias tiveram suas cabeças cortadas e cerca de 70 peças foram danificadas. No total, cerca de 50 ladrões já foram presos nesta semana tentando entrar no museu - isso sem contar com o risco de que o conflito acabe atingindo a estrutura do antigo edifício.

Do quarto de hotel que ocupava nesta semana, no Cairo, a reportagem do Estado podia ver pela madrugada corpos sendo arrastados, enquanto bombas explodiam.

Tudo isso com o museu como pano de fundo. Não é por acaso que instituições de todo o mundo declararam nos últimos dias suas preocupações com a sorte do conflito no Cairo.

O Museu Britânico é um deles. "O Cairo hospeda objetos de importância única para a herança da humanidade. Deve ser uma prioridade a proteção dessas peças para garantir sua sobrevivência para futuras gerações", afirmou a entidade.

O Louvre, em Paris, e especialistas em Berlim e outras partes da Europa também se dizem preocupados. Já a Unesco apelou para que o governo tome todas as medidas necessárias para proteger o local.

"O valor de mais de 120 mil objetos do Museu do Cairo é inestimável", afirmou a Unesco. O governo garante que colocou um carro de bombeiros nas proximidades, caso haja um incêndio. Em outras partes do Egito, porém, objetos históricos foram alvo de roubos e destruição nos últimos dias.