Título: Egito atordoa diplomacia mundial
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Fonte: O Estado de São Paulo, 06/02/2011, Internacional, p. A14

Na Europa e nos Estados Unidos, apoio irrestrito a governos regidos por líderes autocratas foi substituído por abandono tardio

Na data em que os manifestantes egípcios haviam definido como "dia da partida" do presidente Hosni Mubarak, um grupo de diplomatas dos EUA e da União Europeia tentava convencer o regime a iniciar uma transição rumo à democracia. O dia também marcou a virada do discurso da comunidade internacional, que há um mês ainda defendia os ditadores da África e do Oriente Médio contra os protestos de rua.

A retirada do apoio aos autocratas, que perdurou por décadas, ocorreu em menos de duas semanas e desnorteou a diplomacia. O exemplo mais claro da virada foi na França. Há 21 dias, granadas de gás lacrimogêneo foram encontradas prontas para serem enviadas à Tunísia - uma nítida manifestação de apoio do presidente Nicolas Sarkozy a Zine El Abidine Ben Ali. A chanceler Michèle Alliot-Marie chegou a oferecer a Túnis a experiência da polícia francesa para restabelecer a ordem.

A posição rendeu críticas a Sarkozy, que teria sido conivente com a ditadura. Só após a queda do governo, o presidente francês veio a público fazer um mea culpa. "Talvez tenhamos subestimado as aspirações de liberdade do povo tunisiano."

Não só a diplomacia francesa foi criticada por apoiar ditaduras. Na UE, os primeiros pronunciamentos contra a repressão na Tunísia e no Egito só vieram quando já estava clara a insatisfação popular. Mesmo o presidente americano, Barack Obama só reagiu após o início da violência no Cairo.

Na sexta-feira, Catherine Ashton, chanceler da UE, reconheceu o momento delicado das relações internacionais. "As revoltas em países do Mediterrâneo e do Oriente Médio constituem desafios para a Europa e o resto do Ocidente, em particular no que tange nossa política de democratização", afirmou.

Como prova da mudança, a chanceler europeia recebeu Ahmed Ounaies, ministro das Relações Exteriores do governo interino da Tunísia, e prometeu apoio na transição. Além disso, a Europa anunciou o aumento das transferências de ajuda à Tunísia. Iniciativa semelhante será adotada no Egito, se houver por lá uma transição à democracia.

"A crise na África e no Oriente Médio é um tsunami na diplomacia internacional. Só era difícil perceber as crises políticas porque a Europa e os EUA não queriam ver a insatisfação popular", avaliou o cientista político argelino Hasni Abidi, diretor do Centro de Estudos sobre o Mundo Árabe e Mediterrâneo (Cermam), de Genebra.