Título: Dilma e EUA: como será a relação?
Autor: Spektor, Matias
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/02/2011, Internacional, p. A23

O Brasil precisa de uma linha direta com os americanos; a oportunidade de o País redefinir sua posição diante de Washington ocorre em março, durante visita de Obama

Quando o Barak Obama pousar no Brasil, em março, Dilma Rousseff o receberá com sorrisos e promessas de cooperação. Com uma bateria de projetos na manga, ela trabalhará para melhorar a atmosfera de sua relação com o presidente americano. Nos bastidores, porém, sentirá o peso de um problema estratégico que não provocou: como gerenciar as relações com os EUA agora que o Brasil está em ascensão? A pergunta não tem resposta fácil nem óbvia. O passado recente tampouco serve como guia.

Na década de 90, o Brasil manteve alguma distância dos EUA. Apesar da boa química entre Fernando Henrique e Bill Clinton, não houve cooperação intensa. À época, o Brasil era fraco demais para abraçar uma potência tão forte e não sair ferido.

Na década de 2000, Luiz Inácio Lula da Silva patrocinou iniciativas que Washington interpretou como ousadas, mas também promoveu contatos inéditos com o governo de George W. Bush. Durante um breve período, a relação entre os países viveu seu melhor momento em mais de 50 anos. Pouco depois, porém, rachaduras evidenciaram a distância.

Dilma e seus sucessores terão de escrever uma nova equação. O motivo é simples: a correlação de forças mudou. O Brasil de Dilma tem mais poder e influência do que o de Fernando Henrique ou o de Lula.

Nesse mundo novo, as premissas tradicionais devem cair por terra porque atrapalham. É um erro acreditar, por exemplo, que a crise americana atual levará ao declínio inexorável do país. Mais errado ainda é supor que o declínio dos EUA na política internacional possa ser bom para o Brasil. Ao contrário: novas fraquezas de Washington representam grandes riscos para Brasília.

Da mesma forma, equivoca-se quem acha que o Brasil ganha ao afastar os EUA da América do Sul. Hoje em dia, o Brasil é mais rico que todos seus vizinhos juntos. Ironicamente, porém, isso o fragiliza: qualquer calote ou crise num vizinho produzirá um efeito cascata cujos riscos não se pode ignorar.

Também é um erro acreditar que a cooperação intensa com os EUA terá impacto negativo nos negócios de Brasília. Ao contrário, o acesso a Washington ajuda a destravar problemas.

É errônea a crença de que os EUA querem frustrar a ascensão brasileira. Para muitos, os americanos gostariam de ver o Brasil atrelado para sempre à periferia do sistema internacional - uma ideia completamente fora de lugar. Nenhuma potência de primeira ordem hoje compartilha tantos interesses com o Brasil quanto os EUA. Nenhum país emergente tem tanto a oferecer ao governo americano quanto o Brasil.

Com a visita de Obama, Dilma terá a oportunidade para começar a definir um novo modelo para as relações com os EUA. Mais do que nunca, o Brasil precisa ter uma linha direta com Washington que seja livre de ruídos. Isso hoje não existe.