Título: A armadilha inflacionária da Ásia
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/02/2011, Economia, p. B8

A vontade de solucionar o problema da inflação alta nos países asiáticos esbarra na dependência da Ásia das exportações e da demanda externa

A inflação é um dos problemas da Ásia. Quanto mais cedo tentar resolvê-lo, melhor. Infelizmente, o que falta é um imprescindível senso de urgência.

Entretanto, a vontade de solucionar o problema esbarra na profunda dependência da Ásia das exportações e da demanda externa. Temerosos de um novo declínio da demanda do mercado de consumo em um mundo ainda abalado pela crise passada, os responsáveis pelas decisões, no continente, relutam em assumir uma postura agressiva em relação à estabilidade dos preços. Esta situação precisa mudar - antes que seja tarde demais.

Com a exceção do Japão, que continua atolado em uma deflação aparentemente crônica, a inflação asiática subiu para 5,3% nos 12 meses encerrados em novembro de 2010, com um acentuado aumento em relação a 3,5%, no ano anterior, As tendências dos dois gigantes da região são particularmente preocupantes. A inflação rompeu a barreira dos 5% na China, e na Índia, ultrapassa 8%. O aumento dos preços preocupa também na Indonésia (7%), Cingapura (3,8%), Coreia (3,5%) e Tailândia (3%).

De fato, a alta acentuada dos preços dos alimentos é um importante fator que impulsiona a inflação na região asiática. Mas isto não é algo trivial para as famílias de baixa renda no mundo em desenvolvimento, onde a parcela destinada aos alimentos no orçamento familiar - 46% na Índia e 33% na China - corresponde a 2 ou 3 vezes a parcela dos países desenvolvidos.

Deterioração. Ao mesmo tempo, houve uma considerável deterioração da inflação estrutural subjacente, que não inclui os preços dos alimentos e da energia. A inflação estrutural anual da Ásia (com exceção do Japão) estava na casa dos 4% no final de 2010 - com aumento de aproximadamente um ponto porcentual em relação ao final de 2009.

Uma lição fundamental a ser extraída da grande inflação da década de 70 é que os bancos centrais não podem se permitir uma falsa sensação de conforto a respeito de uma dicotomia entre inflação global e inflação estrutural. Os efeitos são inevitáveis, e uma vez que se instala um aumento corrosivo da inflação nas expectativas inflacionárias, torna-se muito mais doloroso eliminá-lo. A boa notícia para a Ásia é que a maioria das autoridades monetárias da região, na realidade, está adotando uma política de aperto. A má notícia é que elas costumam agir muito lentamente.

Aparentemente, os mercados financeiros esperam muito mais do aperto monetário asiático - pelo menos esta é a mensagem que é possível extrair da forte valorização das moedas asiáticas, que parece responder a possíveis mudanças da política de juros. Quanto ao dólar, uma cesta das dez principais moedas asiáticas com o mesmo peso (com exceção do Japão) mostrou as distorções relativas à crise de 2008-2009, e agora voltou às altas anteriores à crise.

As economias voltadas para a exportação, evidentemente, não podem deixar de levar a sério a valorização das moedas - ela mina a competitividade e ameaça corroer a parcela do país nos mercados globais. E também convida à desestabilização dos ingressos de capital especulativo. Considerando o frágil clima posterior à crise, com perspectivas incertas em relação à demanda nos principais mercados do mundo desenvolvido, a Ásia se encontra numa clássica armadilha política, adiando o aperto monetário e correndo o risco de se defrontar com o impacto negativo de moedas mais fortes.

A Ásia só tem uma escapatória: uma aumento significativo dos juros reais, ou corrigidos para levar em conta a inflação em sua política monetária. Na Índia, Coreia do Sul, Hong Kong, Cingapura, Tailândia e Indonésia as taxas de juros de referência estão atualmente abaixo da inflação global. São apenas ligeiramente positivas na China, Tailândia e Malásia.

Para conte pressões. As lições extraídas de batalhas anteriores contra a inflação são claras em um ponto fundamental: as pressões inflacionárias não podem ser contidas por juros reais negativos ou ligeiramente positivos, a curto prazo. A única estratégia efetiva de combate à inflação acarreta um agressivo aperto monetário que leva as taxas políticas para a zona restritiva. Quanto mais for adiado, mais doloroso será o ajuste da política - assim como as suas consequências para o crescimento e o emprego. Com a inflação - tanto a global quanto a estrutural - agora acelerada, os bancos centrais asiáticos não podem errar ainda mais.

Até agora, a Ásia tem questões demasiado importantes em sua agenda política. Isto se aplica particularmente à China, cujo governo se preocupa em reajustar as regras favoráveis ao consumo do seu 12.º Plano Quinquenal, que logo entrará em vigor.

Até o momento, a liderança chinesa adotou uma estratégia comedida em relação à inflação. Seus esforços visam principalmente o aumento das reservas compulsórias dos bancos, introduzindo ao mesmo tempo medidas administrativas para cuidar das pressões sobre os preços dos alimentos, aprovando algumas altas simbólicas dos juros, e administrando uma modesta correção para cima da sua moeda.

Entretanto, a mistura de medidas de aperto adotada pela política monetária chinesa precisa mudar de maneira mais decidida para um aumento dos juros. Enquanto a economia chinesa continua crescendo a uma taxa de aproximadamente 10% ao ano, o governo pode assumir mais riscos a curto prazo a fim de preparar o caminho para o seu programa estrutural.

Dilema. Na realidade, o dilema da China é emblemático de um dos maiores desafios dos países da Ásia em desenvolvimento: a necessidade de mudar o modelo de crescimento baseado na demanda externa para outro baseado na demanda interna. Isto não poderá acontecer sem um aumento dos salários e do poder aquisitivo dos trabalhadores. Mas, em uma economia cada vez mais inflacionária, todo esforço deste tipo poderá alimentar o surgimento de uma espiral de preços e salários - a mesma interação letal que lançou os EUA no caos na década de 70. A Ásia pode evitar este problema e continuar com a enorme tarefa de ajustar a política voltada para o consumo eliminando a inflação ao nascer.

Muitas coisas podem ser inferidas da capacidade de adaptação da Ásia em um clima pós-crise que de outro modo poderia ser particularmente difícil.

Lideradas pela China, as economias bem-sucedidas da Ásia em desenvolvimento estão sendo cada vez mais consideradas os novos e poderosos motores de um mundo que se desenvolve em graus variados de velocidade. Embora ainda não seja possível afirmar que houve uma transição contínua da liderança econômica global, a Ásia precisa enfrentar os cruciais desafios que poderão decorrer deste novo papel.

Se não for tratada desde já, a inflação poderá comprometer profundamente a capacidade da região de fazer frente a estes desafios. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

É MEMBRO DO CORPO DOCENTE DA YALE UNIVERSITY, CHAIRMAN NÃO EXECUTIVO DO MORGAN STANLEY ASIA E AUTOR DE THE NEXT ASIA (A ÁSIA DO FUTURO)