Título: Mubarak aumenta salários e pensões do funcionalismo para esvaziar protestos
Autor: Sant"Anna, Lourival
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/02/2011, Internacional, p. A10

Pressionado, presidente egípcio tenta mostrar normalidade aparecendo na TV em reunião com seus ministros, reduzindo a vigência do toque de recolher e anunciando ações contra funcionários corruptos; oposição acusa governo de forjar comunicado conjunto

O líder da Irmandade Muçulmana, Essam al-Erian, afirmou ontem que o suposto "comunicado conjunto" divulgado pelo governo depois da reunião de domingo foi redigido depois que os representantes da oposição saíram. Os oposicionistas, assim como os manifestantes que ocupam a Praça Tahrir, no centro do Cairo, reafirmaram a sua principal exigência - a saída imediata do presidente Hosni Mubarak, no poder há 30 anos.

Indiferente às reclamações, Mubarak reuniu-se ontem pela primeira vez com seu novo gabinete. A TV estatal exibiu imagens do presidente conversando sorridente com seu vice, Omar Suleiman - ex-chefe do serviço secreto, que conduz as negociações com a oposição -, com o primeiro-ministro Ahmed Shafik e com o ministro da Defesa, Hussein Tantawi. A imagem, assim como o imenso retrato a óleo de Mubarak na sala de reuniões em que se realizam as conversações com a oposição, parece destinada a mostrar que o presidente continua no comando.

Numa clara tentativa de aumentar seu respaldo popular, o governo anunciou ontem um aumento de 15% nos salários e aposentadorias do funcionalismo, a partir de abril. O Egito tem 6 milhões de funcionários públicos, numa população de 85 milhões. A maioria reclama de salários baixos. Dois funcionários do Ministério da Cultura disseram receber 250 libras egípcias, ou cerca de US$ 40 por mês. O aluguel de um apartamento pequeno no Cairo custa 400 libras.

De acordo com o novo ministro das Finanças, Samir Radwan, o aumento custará US$ 960 milhões a mais por mês. Antes dos distúrbios, as contas externas do Egito já estavam pressionadas pelo aumento dos preços internacionais dos alimentos. O Egito importa praticamente todo o alimento que consome. A crise foi agravada pela onda de protestos que paralisou o país e interrompeu duas de suas principais fontes de receita: o turismo, que representa 11% do Produto Interno Bruto, e as remessas de dinheiro por egípcios que vivem no exterior - outros 4%.

Daí a pressa do governo em reabrir os bancos, o que começou a ocorrer gradualmente a partir de domingo (o Egito observa a sexta-feira como o dia de descanso semanal muçulmano). O comércio também começou a reabrir gradualmente ontem no Cairo, embora a maioria das lojas e escritórios do centro ainda permaneça fechada. A Bolsa de Valores só vai reabrir no domingo, uma medida destinada a evitar mais prejuízos e conter a queda da cotação da libra egípcia, que atingiu seu valor mais baixo frente ao dólar em seis anos.

A ocupação da Praça Tahrir por milhares de manifestantes, apesar de várias tentativas do Exército de desocupar pelo menos as ruas e avenidas que a cruzam, aumenta a confusão no já caótico trânsito da cidade de 18 milhões de habitantes. Noutra medida destinada a impulsionar o retorno à normalidade, o governo reduziu o toque de recolher, das 16 às 8 horas. Agora, ele vai de 20 às 6 horas.

Os manifestantes, muitos acampados na praça, garantem que não vão sair enquanto Mubarak permanecer no cargo. Opositores dizem que não se pode confiar nas promessas de Mubarak de realizar eleições justas e livres em setembro. Eles lembram que o presidente fez a mesma promessa no ano passado, nas eleições parlamentares de dezembro, e o resultado foi considerado fraudado. O Partido Nacional Democrático, que apoia o governo, ficou com 83% das 518 cadeiras. O restante foi para o Wafd, que faz oposição branda e até recentemente era presidido pelo irmão do ministro da Agricultura.

Noutra concessão à oposição e aos manifestantes, o Ministério Público obteve o congelamento dos depósitos bancários do ex-ministro do Interior Habib Al-Adli, que foi proibido de sair do país. Al-Adli é um dos símbolos da repressão do regime.