Título: Mercado vê chances de que corte de gasto ajude BC na luta contra inflação
Autor: Dantas, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/02/2011, Economia, p. B1

Reações, porém, variam. Para Itaú, governo demonstrou mais vontade de cortar do que se supunha. Já Santander vê ajuste abaixo do necessário

O corte de gastos anunciado ontem pelo governo não deve convencer a todos no mercado financeiro, mas foi, pelo menos, suficiente para ser levado a sério. Para o economista Mauricio Oreng, do Itaú, "esse corte no Orçamento revela um desejo maior de cortar gastos do que estávamos incorporando anteriormente".

Oreng realizou recentemente um estudo detalhado sobre as perspectivas fiscais em 2011. Basicamente, o trabalho indica que, para que se cumpra a chamada "meta cheia" de superávit primário em 2011, o governo tem de bloquear R$ 88 bilhões do Orçamento. A meta cheia é de R$ 118 bilhões, o correspondente a 2,9% do PIB, já na projeção para 2011 ajustada para R$ 4,056 trilhões, anunciada ontem.

O economista nota que, além do corte de R$ 50 bilhões, o desempenho orçamentário dos últimos anos indica que o governo não "paga" todas as despesas orçadas, criando os chamados "restos a pagar", que hoje já somam R$ 135 bilhões.

Uma hipótese inicial de trabalho no Itaú, que ainda precisa ser consolidada, é de que o governo gaste R$ 25 bilhões a menos do que o orçado, o que elevaria a economia para R$ 75 bilhões (é um pouco mais complicado: algum resto a pagar acumulado pode ser gasto em 2011 e, nesse caso, os novos restos a pagar a serem criados teriam de ser igual a esse valor mais os R$ 25 bilhões).

De qualquer forma, se a economia efetiva atingir R$ 75 bilhões, Oreng estima um superávit primário do setor público consolidado de 2,6% do PIB em 2011. Isso fica abaixo da meta de 2,9% (para a qual seria preciso cortar R$ 88 bilhões), mas, ainda assim, na opinião do economista, "a política fiscal daria uma ajuda bem razoável à política monetária".

Nas suas contas, no cenário de corte efetivo de R$ 75 bilhões, os gastos federais aumentam apenas 1% em termos nominais em 2011, comparado a uma média de 9,3% em 2009 e 2010.

Os R$ 50 bilhões a ser cortados diretamente equivalem a 23% da despesa discricionária, o que é o maior porcentual contingenciado desde pelo menos 2003 (superando o do primeiro ano do governo Lula). Nos últimos três a quatro anos, a média do contingenciamento ficou entre R$ 23 bilhões e R$ 24 bilhões.

Oreng, porém, tem algumas dúvidas. Ele nota que, como a receita de 2011 foi revisada para baixo em R$ 18 bilhões, a parte do corte que realmente terá o efeito de aumentar o resultado primário é, em princípio, de R$ 32 bilhões. Além disso, ele tem dúvida se o corte será um contingenciamento (fácil de reverter, se a receita aumentar), ou se corresponderá a um cancelamento das dotações. E, finalmente, com o Orçamento já tão cortado, não é certo que as despesas que acabarão não sendo pagas atinjam os mesmos níveis dos últimos anos (isto é, podem ficar abaixo de R$ 25 bilhões).

Nas contas de Alexandre Schwartsman, economista-chefe do Santander, o anúncio de ontem é bem menos impressionante. Para ele, para se atingir a meta cheia de superávit primário, o corte mínimo teria de ser de R$ 70 bilhões. Mas, no cálculo do próprio Santander - que tem metodologia própria para estimar o superávit primário que efetivamente reduz a demanda e ajuda o BC -, a redução de gastos teria de ser de R$ 88 bilhões.

Do jeito que foi anunciado, para Schwartsman a meta cheia não será nem de longe cumprida. Como o BC trabalha com a suposição de que ela será atingida, ele nota que o Comitê de Política Monetária (Copom) acabará tendo de elevar a Selic (taxa básica de juros) mais do que planeja, para controlar a inflação.