Título: Medidas do governo estimulam a indexação
Autor: Chiara, Márcia De
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/02/2011, Economia, p. B1

Reajustes do salário mínimo e dos benefícios do Bolsa Família adotam correção pela inflação passada e têm impacto nos aumentos de serviços

Dezesseis anos após o Plano Real, a economia brasileira ainda não conseguiu se livrar da indexação, a correção automática dos preços pela inflação passada. Ela é responsável por cerca de 15% da inflação dos últimos meses, segundo cálculo do economista Heron do Carmo, presidente do Conselho Regional de Economia (Corecon) de São Paulo.

A influência se dá pela correção de preços como aluguel, tarifas de ônibus e mensalidades escolares, todos reajustados, formal ou informalmente, com base nos índices de inflação.

Embora esse mecanismo de perpetuação da inflação preocupe o governo, não há nenhuma medida em estudo para atacar a indexação. Avalia-se que a melhor forma de livrar os agentes econômicos desse vício é a queda consistente da inflação.

"Quando a meta de inflação for mais baixa, os prazos de correção dos contratos poderão ser mais longos do que um ano e assim a indexação vai desaparecendo", comenta uma fonte. A meta é de 4,5% para 2011 e 2012.

Atualmente, medidas em estudo no governo estão na direção contrária: vão indexar ainda mais a economia. Nos próximos dias, será enviada ao Congresso uma medida provisória fixando o salário mínimo de 2011 e estabelecendo que será corrigido pela inflação do ano anterior, acrescido do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos atrás. Essa indexação foi criada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2006, mas ainda não está em lei. A presidente Dilma Rousseff o fará.

Estuda-se, também, uma forma de preservar o poder de compra dos benefícios do Bolsa Família, pois hoje o valor depende de decisão do governo. Também nesse caso, há risco de se criar uma regra de reajuste pela inflação passada. O valor das bolsas já foi corrigido, em ocasiões passadas, pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), o mesmo utilizado para o salário mínimo e para aposentadorias acima do mínimo.

As centrais sindicais pressionam o governo também para corrigir a tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). Hoje, a correção ocorre por iniciativa do governo. De 2010 para 2011, a tabela ficou congelada. Nesse caso, porém, a proposta do governo não é de indexação. Em vez de corrigir a tabela pela inflação passada, como querem os sindicalistas, Dilma acenou com reajuste pela expectativa de inflação futura. Em vez dos 6,46% do INPC de 2010, a tabela seria corrigida pela meta de inflação, ou seja, 4,5%.

Pressão inflacionária. Os reajustes do salário mínimo acima da inflação fizeram surgir a nova classe média e ajudaram o País a escapar dos efeitos mais amargos da crise global de 2009, segundo pregam as centrais sindicais. Do outro lado da moeda, porém, colocaram mais lenha na fogueira da inflação.

"Não é que os economistas estejam contra os trabalhadores, mas toda vez que os salários sobem mais que a produtividade da economia, há pressão inflacionária", diz o professor Newton Marques, da Universidade de Brasília (UnB). "A indexação do salário mínimo é prejudicial para a política econômica porque pode realimentar pressões, estimular o aumento de preços de bens e serviços. O salário mínimo está metido em muita coisa."

A alta do mínimo explica em parte os reajustes de serviços como cabeleireiro e pedreiro. "É razoável supor que o mínimo tem influência na alta da inflação, mas essa é uma hipótese que não foi empiricamente testada", comenta um integrante da equipe econômica.

O resultado da alta da inflação foi a elevação dos juros no mês passado, de 10,75% ao ano para 11,25%. Para justificar a decisão, os diretores do BC afirmaram que existe um "nível de incerteza acima do usual" em relação ao comportamento dos preços, e que há sinais de que o aumento da inflação no fim de 2010 continua contaminando os preços.

Heron do Carmo não tem dúvidas de que só com o fim da indexação o problema da inflação, que a presidenta adjetivou como "praga" em seu discurso de posse, poderá se dissipar. "A economia começou a ser desindexada no Plano Real, mas não foi completamente e já se passaram mais de 16 anos."

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