Título: Cortes chegam na hora exata
Autor: Fernandes, Adriana
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/02/2011, Economia, p. B6

O corte de R$ 50 bilhões no Orçamento anunciado pelo governo e a inflação de 6% são dois fatos que têm em comum a formação de uma política para conter os preços e manter o crescimento.

O corte é expressivo e profundo. Não se trata apenas de contingenciamento, suspensão temporária de liberalização de verbas inscritas no Orçamento até que haja receita. Serão definitivos. Se a arrecadação aumentar, as sobras serão destinadas ao superávit, como assinala editorial do Estado na sexta-feira.

Além disso, os cortes atingem apenas os gastos de custeio da máquina administrativa, não os investimentos previstos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Mais, muito mais ainda, os recursos aos programas sociais serão inteiramente preservados.

O governo mostra estar consciente que esses programas deixaram de ser apenas sociais. Passaram a ser a pedra fundamental no processo de crescimento e investimentos na produção também.

Dá para acreditar. Pode-se pôr em dúvida se os cortes serão efetivamente realizados. Os detalhes, só virão na próxima semana, quando for publicado o decreto de execução orçamentária e financeira. Parece muito difícil, porém, acreditar que a presidente Dilma Rousseff não vai cumprir o que agora anunciou, ou negar seu compromisso com a estabilidade fiscal.

Pela primeira vez desde que assumiu o governo, Dilma está pondo em jogo sua credibilidade. Está fazendo tudo para reforçar, e não enfraquecer, essa credibilidade, que pretende consolidar.

Um sinal de firmeza foi ter ousado enfrentar o Congresso Nacional ao anunciar que haverá contingenciamento dos R$ 23 bilhões de emendas dos parlamentares. Só sai se sobrar dinheiro depois do superávit. Não é pouco, é quase a metade dos cortes totais.

E fez isso mesmo antes de enviar o projeto do salário mínimo de R$ 545. Dilma endureceu com os sindicatos e com o Congresso, mostrando uma política mais severa e menos dependência, sem confronto, mas com firmeza. Há muito não se via isso.

Gastar mais e menos. Pode parecer contraditório, mas não é. O que o governo pretende não é parar de "gastar", mas "gastar" menos. Continua-se confundindo gastos com dispêndios produtivos, por exemplo, em educação, e investimentos. O que estamos vendo á a antiga tese defendida pelo ex-ministro da Fazenda e atual chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, de condicionar o crescimento das despesas ao aumento da arrecadação. Funcionou até dois anos. Com isso, os cortes poderão ser mais realistas e menos dolorosos para a equipe do governo.

A inflação que se autorrealiza. Outro fato, decorrente dos cortes, é que eles atenuam os efeitos altamente negativos do que os economistas chamam de "expectativa inflacionária". Se ninguém fizer nada, se houver complacência com a inflação, consumidores e produtores se antecipam, gerando uma expectativa de alta de preços que se autoalimenta. Ao confirmar que vai cortar gastos e dispêndios e declarar guerra à inflação, o governo ajuda a quebrar esse processo tão bem analisado pelo economista Paul Krugman, no Estado.

Não será preciso mais? Será que isso seria suficiente para conter a alta dos preços? Voltamos à questão discutida na coluna: não seria necessário cortar a renda dos assalariados para reduzir a demanda?

A equipe economia discorda. E a coluna também. Há outros instrumentos que podem e estão sendo utilizados. Por exemplo, redução da liquidez, prazos mais longos de financiamentos oferecidos ao consumidor, juros que o façam ponderar antes de comprometer a renda futura, suspensão das desonerações tributárias oferecidas em 2009 para conter a crise financeira internacional e superar rapidamente a recessão. Deram certo quando necessárias e custaram relativamente pouco ao governo, que tem hoje um endividamento controlado. Essa suspensão já consta do novo corte agora anunciado pelos Ministérios da Fazenda e do Planejamento.

Isso não iria, de qualquer forma, conter o consumo interno? Sim, mas não abruptamente. Será um processo mais longo, que abre espaço para um reajuste mais equilibrado e menos turbulento entre oferta e demanda. Nada de choques.

Quem está sustentando o crescimento econômico é o consumidor interno.

Estamos bem, temos tempo. A economia está bem estruturada, não enfrenta desafios internos urgentes ou externos dramáticos. São desafios, sim, mas estão sendo administrados. As reservas cambiais chegaram esta semana a US$ 300 bilhões, os investimentos externos também superam os resultados passados - provocando um desconforto que poderíamos chamar de "quase agradável" -, a inflação tende a subir com os preços das commodities, mas não explodir.

A safra agrícola bate recordes, o que poderá atenuar um pouco o impacto das cotações externas. Vamos ter, aqui, um ano mais difícil, com o aumento do preço do milho, do trigo, agora provocado por queda de safra na China e menor estoques nos Estados Unidos, mas nada que assuste, pelo menos agora.

Tudo isso abre espaço para uma ação coordenada entre a equipe econômica, o Banco Central e as empresas privadas, que aguardam novos estímulos para investir ainda mais.