Título: Ferrovias são acusadas de fazer overbooking
Autor: Pereira, Renée
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/02/2011, Economia, p. B7

Produtores de grãos reclamam de contratação de cargas acima da capacidade, venda casada de serviços e reajuste do frete em até 30%

Visto como solução para reduzir os custos logísticos do Brasil, o setor ferroviário entrou na lista de problemas do agronegócio. A discórdia começou com a proposta de reajuste do preço do frete entre 20% e 30% este ano, o que provocou a revolta dos usuários.

Na quarta-feira, cinco associações ligadas aos produtores de grãos desembarcaram em Brasília para pedir que a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) intervenha no caso e resolva a questão antes do início da safra, em abril.

Além dos reajustes, eles aproveitaram a ocasião para questionar a qualidade dos serviços prestados pelas concessionárias. Os executivos das associações reclamaram que tem havido uma espécie de "venda casada" em ferrovias de empresas que também têm terminais portuários. Também alertaram o diretor-geral da ANTT, Bernardo Figueiredo, sobre uma prática que até então era usual apenas no setor aéreo: o overbooking. As concessionárias estariam contratando cargas acima de sua capacidade.

Figueiredo afirmou que dará prioridade a uma investigação para apurar os fatos. Antes, no entanto, o diretor-geral da ANTT pediu que as associações apresentem um relatório oficial com todas as reivindicações e reclamações. "Os usuários nos relataram algumas novidades no setor ferroviário que são inaceitáveis", disse Figueiredo, referindo-se à prática do overbooking. "As concessionárias não podem se esquecer que são operadoras de serviços públicos."

O secretário-geral da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), Fábio Trigueirinho, conta que alguns associados relataram problemas ocorridos ao longo de 2010 em que a carga não foi transportada na data definida por falta de capacidade das ferrovias. "Isso cria uma dor de cabeça enorme. Se fosse um imprevisto, tudo bem. Mas não tem sido assim."

Para não perder o prazo dos navios e dos contratos, há quem opte por retirar a carga dos terminais de transborde e levar ao porto por caminhão. Há também reclamação de que as ferrovias têm entregado a carga em terminais errados. "Nesse caso, o exportador tem de pagar pelo transbordo da carga de um terminal para outro", comenta o diretor da Associação Nacional dos Usuários de Transporte de Carga (Anut), Renato Voltaire.

Outra denúncia feita na agência é a imposição de situações para usar os trilhos e portos de uma mesma empresa. Se não aceitarem o frete da ferrovia não podem ter acesso ao porto. O diretor da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTT), Rodrigo Vilaça, diz desconhecer os problemas relatados pelos usuários das ferrovias, seja de venda casada ou de overbooking. "Não tenho ideia do que sejam essas práticas que eles estão falando. Agora terão de provar que isso, de fato, ocorre."

O executivo afirmou ainda que não pode falar sobre as propostas de reajustes acima de 20% porque os contratos entre concessionárias e empresas são sigilosos. Por outro lado, Vilaça diz que é natural os usuários reclamarem de aumento de preços e fazerem pressão para diminuir os reajustes. Ele destaca, no entanto, que as companhias de transporte rodoviário acabaram de anunciar um aumento de 17% no frete e ninguém fez estardalhaço por isso. "As transportadoras podem pedir 17% por defasagem de preço e as ferrovias não?", questiona o executivo.

Essa é outra reclamação dos produtores. Segundo eles, as ferrovias acabam acompanhando a variação do frete cobrado pelos caminhões. Figueiredo, da ANTT, acha inadmissível a postura. "O governo faz ferrovias porque a lógica é repassar para o mercado o custo de um transporte mais barato. As operadoras não têm de olhar seu frete a partir da rodovia, mas de seus custos. Temos de rever isso."

O presidente da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), Sergio Teixeira, avalia que um aumento da magnitude que tem sido anunciado só vai comprometer ainda mais a competitividade do Brasil no mercado mundial. "Já é de conhecimento geral que o custo dos transportes no Brasil é US$ 50 ou US$ 60 mais caro que nos Estados Unidos e Argentina."

Outro problema, alerta Voltaire, é que até o prazo dos contratos está sendo reduzido: antes era anual, agora há casos trimestrais. As associações acreditam que o aumento dos fretes está associado ao fato de o preço das commodities estarem em alta no exterior. "O mais engraçado é que quando o mercado está ruim ninguém reduz o preço do transporte", afirma uma fonte que não quis se identificar.

A ANTT vai chamar as concessionárias para conversar e entender o que está ocorrendo. Se não houver uma solução, a agência poderá instaurar processo de arbitragem. Além da Anut, Abiove e Anec, a Associação dos Produtores de Soja do Mato Grosso (Aprosoja) e as confederações da Agricultura (CNA) e Indústria (CNI) estiveram na sede da ANTT para reclamar sobre os serviços ferroviários.