Título: Corte de gasto não convence mercado, que volta a elevar projeção de inflação
Autor: Graner, Fabio
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/02/2011, Economia, p. B1

Analistas ouvidos pela pesquisa Focus alteram projeção do IPCA de 5,66% para 5,75% e já há quem veja risco de descumprimento da meta em 2011

O mercado financeiro deu de ombros para o corte de R$ 50 bilhões em despesas anunciado pelo governo na semana passada e promoveu mais uma rodada de alta nas projeções de inflação. A piora das expectativas apareceu ontem na pesquisa semanal Focus, em que o BC apresenta a média das projeções dos analistas de mercado.

O pessimismo é ainda maior no grupo das cinco instituições que mais acertam projeções de inflação no médio prazo (Top 5), cujas estimativas já mostram risco de que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) estoure o teto de 6,5% da meta inflacionária. De acordo com a Focus, a estimativa geral do mercado para o IPCA em 2011 passou de 5,66% para 5,75%.

Foi o décimo ajuste seguido para cima. Para 2012, depois de um recuo na semana anterior, a estimativa voltou a subir, passando de 4,61% para 4,70%. No Top 5 médio prazo, a estimativa para o IPCA em 2011 subiu de 6,24% para 6,44%. Para 2012, esse grupo elevou a projeção de 5,10% para 5,18%.

"As medidas que foram anunciadas, de caráter fiscal e macroprudencial, embora estejam na direção correta, não são suficientes para compensar o impacto dos dados negativos recentes de inflação", avaliou Paulo Barcellos, diretor de economia do banco cooperativo Sicredi, uma das instituições Top 5 em projeções de inflação para o médio prazo.

Ele lembrou que na semana passada o IBGE mostrou que o IPCA de janeiro ficou em 0,83%, taxa considerada muito alta, e outros índices, como o IPC-S, mostram alta de mais de 1%.

Na visão de Barcellos, para ancorar as expectativas do mercado, o BC precisará usar mais a taxa de juros para regular a atividade econômica, adequando o ritmo da procura por bens e serviços à oferta. Ele diz que a Selic deveria subir até 12,75% (em média, o mercado trabalha com 12,25%) e ficar assim por muito tempo, inclusive ao longo de 2012, para que o IPCA caia para 4,5% em 2012. Para 2011, ele não vê a inflação voltando para o centro da meta, já que um esforço nesse sentido exigiria uma perda muito grande e desnecessária de crescimento econômico. "A luta (para 2011) é quebrar o ciclo de piora nas expectativas."

Maior aperto. O economista-chefe da Kondor Invest, Alexandre Soriano, diz que para a inflação convergir "tempestivamente" em direção à meta a dosagem de aperto monetário ou fiscal precisaria ser maior. "Em outras palavras, o PIB precisaria apresentar uma baixa taxa de crescimento por um período", avalia o economista da Kondor, que também está no Top 5.

Segundo Soriano, as medidas que estão sendo adotadas pelo governo levam algum tempo para fazer efeito na inflação. "É muito pouco provável que o IPCA feche este ano em 4,5%. As expectativas elevadas, a inércia inflacionária, a baixa taxa de desemprego, dentre outros, apontam para inflação bastante elevada no ano."

Apesar de incomodarem, o BC já trabalha com um cenário de expectativas inflacionárias elevadas ao longo de todo o primeiro semestre. A avaliação nos bastidores é que as projeções do mercado respondem em grande medida à inflação corrente, que é tradicionalmente mais alta no primeiro trimestre do ano e ainda está sendo impactada por choques de oferta nos alimentos e pelos reajustes nos transportes urbanos. O BC sabe que só pode atuar adequando o ritmo da demanda à oferta de bens e serviços e acredita que as medidas em curso tomadas pelo governo surtirão efeito ao longo do tempo.