Título: Enfim no banco dos réus
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Fonte: O Estado de São Paulo, 21/02/2011, Espaço aberto, p. A3
Em seus três mandatos não consecutivos como chefe do governo, o primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, enfrentou várias acusações de corrupção, fraude fiscal, apropriação indébita e suborno de juízes. Com chicanas as mais diversas e contando com a cumplicidade de uma maioria parlamentar indiferente à erosão moral do país e o aviltamento de sua imagem no exterior, Il Cavaliere, como ele aprecia ser chamado, conseguiu safar-se de quase todas as denúncias, salvo três que redundaram em ações ainda em curso.
Mas a impunidade do miliardário populista de 74 anos, que controla três redes nacionais de TV e ascendeu na política graças à desarticulação do sistema partidário italiano depois da devassa das relações entre o poder e a Máfia - na célebre Operação Mãos Limpas -, enfrenta agora o mais sério desafio dos seus 17 anos no palco político. A enxurrada de revelações sobre as bacanais nas propriedades do plastificado Casanova com garotas de programa, várias delas brasileiras, finalmente levou uma juíza de Milão, Cristina Di Censo, a colocá-lo no banco dos réus.
A pedido do procurador-chefe do Ministério Público local, Berlusconi será submetido a um julgamento acelerado - modalidade prevista no Código Penal italiano quando são consideradas irrefutáveis as evidências levantadas contra o réu - por exploração sexual de menor e abuso de poder.
O procedimento foi marcado para o próximo 6 de abril. A sentença será dada por Cristina e duas outras juízas do mesmo tribunal. Conforme a primeira acusação, Berlusconi comprara com dinheiro e joias a participação da jovem marroquina Karima El-Mahroug - então com 17 anos - em pelo menos uma das orgias promovidas nos seus domínios.
Além disso, em maio do ano passado, quando soube que a moça, conhecida no mercado como Rubi Rouba-Corações, tinha sido presa por suspeita de roubo de dinheiro, ele telefonou pessoalmente para a delegacia pedindo a sua soltura e o arquivamento do caso. Alegou que ela era sobrinha do então ditador egípcio Hosni Mubarak e se tratava, portanto, de prevenir uma crise diplomática entre o Cairo e Roma. Berlusconi confirma o telefonema, mas dá a esfarrapada explicação de que tinha sido induzido a erro. De resto, nega tudo. Os seus advogados e aliados falam em "judicialização da política" e "ingerência no Parlamento". Ele próprio fala em "golpe de Estado moral". A ideia é que, na Itália, os tribunais não têm competência para julgar um chefe de governo.
Pela primeira vez, no entanto, as chances de sobrevivência de Berlusconi parecem realmente escassas. No domingo, dia 13, milhares de mulheres foram às ruas em várias cidades da Itália protestar contra os seus atentados à dignidade da mulher italiana e à reputação do país. De fato, ainda que muitos de seus concidadãos já se tenham conformado, ou assim parece, com a corrupção endêmica na vida pública nacional, no plano dos costumes a cultura conservadora que tem na Igreja o seu principal baluarte ainda não submergiu de todo no mar de obscenidades em que navega, cheio de si, o mais vulgar dos dirigentes políticos europeus dos tempos modernos. É produtor e protagonista de "maus filmes pornôs", como o classificou o correspondente do Estado em Paris, Gilles Lapouge.
De acordo com pesquisa divulgada na segunda-feira passada, a popularidade de Berlusconi caiu para 30,4%, o mais baixo índice em seis anos. O líder da oposição de centro-esquerda, Pier Luigi Bersani, do Partido Democrático, pediu a sua renúncia imediata. Mas a coalizão direitista que o apoia ainda vacila. A Liga Norte de Giancarlo Fini, a principal legenda da aliança com o Povo da Liberdade, o partido criado por Berlusconi, não consegue se decidir entre se dissociar desde logo do seu governo e esperar para ver no que dará o julgamento de Milão. Não são poucas as afinidades que mantêm a parceria - por exemplo, a política de mão de ferro contra os emigrantes.
Sem falar que Il Cavaliere há de ter colecionado informações sobre os podres de seus parceiros. Ele talvez não seja a única autoridade italiana a pagar ? 7 mil a uma acompanhante, como Ruby, por uma noitada.