Título: O corte do Orçamento
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Fonte: O Estado de São Paulo, 01/03/2011, Notas e informações, p. A3

O corte de gastos anunciado pelo governo - R$ 50,1 bilhões - está longe de ser uma demonstração de ousadia política e de austeridade financeira, mas é bem-vindo. Pode ser o passo inicial das mudanças prometidas pela presidente Dilma Rousseff logo depois de sua eleição e reafirmadas no discurso de posse. As promessas incluem maior atenção à qualidade do gasto federal e à eficiência da administração, assim como alterações tributárias para tornar os impostos e contribuições mais compatíveis com as necessidades da economia. Se forem realizadas, essas mudanças serão muito mais amplas e muito mais complexas politicamente do que quaisquer inovações ocorridas no Brasil nos últimos oito anos.

Pouco mais de um terço do corte, cerca de R$ 18 bilhões, resultará de uma revisão da receita líquida prevista no Orçamento aprovado pelo Congresso. De certo modo, será um corte de vento, porque os congressistas, como de costume, haviam inflado a projeção do recolhimento de impostos e contribuições. Mas esse inchaço havia possibilitado a inclusão de um grande número de emendas parlamentares. A maior parte dessas emendas será podada, segundo anunciaram os ministros da Fazenda, Guido Mantega, e do Planejamento, Miriam Belchior.

A eliminação dessas emendas tem um importante valor profilático. Representam, na maior parte, despesas de interesse estritamente local, mais compatíveis com os orçamentos municipais ou estaduais - isto na melhor das hipóteses. A apresentação de emendas tem propiciado fraudes, quase sempre detectadas com grande atraso pelos órgãos de controle.

Mas a fraude é apenas o efeito negativo mais visível de um sistema irracional e perdulário. A pulverização de recursos por meio de emendas de interesse paroquial diminui severamente a eficiência do gasto público.

O ritual orçamentário tem pouca relação com qualquer atividade classificável como planejamento e programação de ações de governo. Essa deficiência não se deve apenas ao absurdo critério das emendas. Deve-se também à rigidez do Orçamento, resultante em boa parte da vinculação de verbas e de uma política de pessoal inteiramente desvinculada de critérios de competência e de qualidade.

As providências anunciadas pelos dois ministros, na entrevista dessa segunda-feira, são insuficientes para mudar os padrões da política orçamentária. São, na maior parte, medidas de alcance muito limitado, como a restrição de viagens internacionais, com redução de 50% das despesas com diárias e passagens, e tetos para aquisição, aluguel e reforma de imóveis e de veículos.

Restrições como essas podem até resultar em perda de eficiência, se forem adotadas apenas para a obtenção de resultados de curto prazo. O mercado financeiro pode aplaudi-las como demonstrações de seriedade, mas bons padrões administrativos só serão alcançados com um trabalho muito mais ambicioso.

Os cortes deverão servir, segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, para permitir superávits primários mais parecidos com aqueles do período pré-crise. O ajuste, acrescentou, incluirá uma redução do crescimento econômico para um ritmo mais sustentável, em torno de 5% ao ano. Não serão abandonados, segundo Mantega, os padrões do governo anterior.

Essas declarações são preocupantes. Superávits primários maiores que os dos últimos dois anos só foram alcançados, antes da crise, graças ao crescimento da receita e da carga tributária. A relação entre a dívida líquida e o Produto Interno Bruto diminuiu durante algum tempo, mas essa melhora é em parte uma ilusão contábil.

A dívida bruta tem aumentado por causa de operações como o repasse de recursos ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social e a capitalização da Petrobrás. Quando o véu dos truques contábeis é afastado, o quadro fica muito menos bonito. Depois, a noção de um ajuste fiscal temporário é muito diferente das promessas da presidente Dilma Rousseff.

O Brasil ganhará, se o ministro mais uma vez estiver errado e suas palavras não corresponderem, de fato, às ideias presidenciais sobre gestão pública e tributação.