Título: Protestos causarão deserções, diz coronel
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/03/2011, Internacional, p. A10

Força de elite que ainda apoia Kadafi o abandonaria para evitar um banho de sangue

Por ora, as Forças Armadas rebeldes não planejam um ataque a Trípoli. Os militares que aderiram ao movimento popular iniciado no dia 15 preferem esperar que um número ainda maior de manifestantes saia às ruas da capital.

Hussein Malla/ApRebelião. Garotos líbios festejam sobre um tanque do Exército a tomada da cidade de Benghazi pelos insurgentes Eles acreditam que os protestos atrairão a adesão dos Kataeb Amnia, literalmente os Quartéis de Segurança, as unidades especiais que protegem o ditador Muamar Kadafi, como aconteceu em Benghazi, a segunda maior cidade líbia.

Foi o que disse ontem ao Estado o coronel Gazi Kalifa el-Shatiti, do Exército regular líbio. "Estamos esperando para ver", disse El-Shatiti, de 44 anos, há 29 no Exército. "Não queremos mais derramamento de sangue." Mas ele acrescentou, referindo-se ao resultado provável de um aumento das manifestações na capital: "Se mais gente morrer em Trípoli, os Kataeb Amnia também mudarão de lado".

O coronel disse que todo o leste e o sul da Líbia estão nas mãos das forças oposicionistas. Segundo ele, somente Trípoli, onde vivem 2 milhões dos 6 milhões de habitantes do país, e Sirte, reduto da tribo de Kadafi, com cerca de 200 mil habitantes, seguem firmemente sob controle do governo. A situação de Sabha, de 400 mil habitantes, não estava clara ontem à tarde. As três cidades ficam a oeste de Benghazi, distante 1 mil km de Trípoli.

El-Shatiti afirmou que o primeiro posto de controle das forças leais a Kadafi está situado na entrada de Sirte, 300 km a oeste de Benghazi.

El-Shatiti estima que os Kataeb Amnia tenham entre 5 mil e 6 mil homens, dos quais entre 100 e 200 oficiais. Já as Forças Armadas regulares têm 25 mil oficiais e um número não determinado de suboficiais e soldados, que está aumentando agora, com o recrutamento e treinamento em massa de voluntários para lutar contra o regime. Apesar da superioridade numérica, El-Shatiti reconhece que as forças especiais são muito mais bem equipadas e treinadas do que o Exército regular. Os Kataeb Amnia abrangem as três armas: força terrestre, marítima e aérea. São unidades de elite, que incluem a Brigada Khamis, comandada por um dos filhos de Kadafi de mesmo nome. "Eles têm um arsenal que pode destruir o país, mas não têm o coração dos soldados", ressalva o coronel. Foi por isso, afirma ele, que Kadafi empregou mercenários de outros países na repressão aos protestos.

El-Shatiti admite que as adesões tribais influem na distribuição do poder no interior das Forças Armadas. Cada corpo do Exército - como engenharia, infantaria, inteligência, etc. - é comandado por uma tribo diferente. Mas os comandos militares desenham círculos ao redor de Kadafi. Os integrantes das famílias, tribos e clãs mais próximos de Kadafi são também aqueles que ocupam posições mais estratégicas nas Forças Armadas. Por outro lado, disse o coronel, muitos integrantes da tribo do ditador, Al-Gaddadfa, participaram dos protestos em Benghazi.

Kadafi atraiu o ódio de parte de sua tribo em episódios de violência, como o assassinato de um primo distante, Hassan Shkal, em 1986. Shkal foi impedido no aeroporto de sair do país e foi tirar satisfação com o primo no palácio. Acabou morto a tiros por um guarda-costas de Kadafi.

Ainda ontem, o coronel Tareq Saad Hussein, um dos militares amotinados do comitê de assuntos de defesa em Benghazi, disse que pilotos leais ao líder líbio lançaram uma contraofensiva aérea no território controlado pelos insurgentes no leste do país, mas foram repelidos por baterias antiaéreas dos insurgentes e forçados a se retirar. Segundo o militar rebelado, cidade de Ras Lanuf, que fica na metade do caminho entre a capital Trípoli e Benghazi, foi retomada ontem por forças leais a Kadafi.