Título: Refugiados da Líbia chegam a 140 mil
Autor: Chacra, Gustavo
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/03/2011, Internacional, p. A9

Caos toma conta da fronteira oeste e guardas tunisianos tentam conter a multidão de estrangeiros com disparos e golpes de cassetete

Ciro Fusco/EfeDesespero. Multidão de estrangeiros aglomera-se diante de fronteira oeste da Líbia; em meio ao caos no posto de controle, cerca de 15 mil atravessaram divisa em direção à Tunísia ontem Os guardas tunisianos do posto fronteiriço de Ras Jdir, por por onde a maioria dos refugiados vindos da Líbia tentam entrar na Tunísia, abriram fogo ontem para tentar conter o fluxo de estrangeiros que tenta escapar da violência do regime de Muamar Kadafi. Os disparos foram para o ar e surtiram pouco efeito sobre a multidão que se apertava contra o muro de concreto que divide os países na tentativa de atravessar para a Tunísia.

Até ontem, cerca de 75 mil pessoas haviam passado pela fronteira oeste da Líbia e mais de 140 mil já haviam deixado o país nos últimos dez dias, segundo informou o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur).

A maioria dos refugiados é de egípcios, mas muitos são trabalhadores de Bangladesh, China, Vietnã, Nepal, Gana e Nigéria. Os guardas da fronteira estão permitindo a passagem dos estrangeiros, mas não conseguem realizar o trâmite burocrático para sua entrada com rapidez suficiente para evitar o tumultos. Até ontem, quando a expectativa era que 15 mil tentassem entrar na Tunísia, cerca de 2 mil atravessavam a fronteira a cada hora de funcionamento do posto de controle.

Além de disparar para o ar, os guardas abriam um portão azul no muro de concreto, deixando pequenos grupos de estrangeiros passarem ontem, na tentativa de evitar a aglomeração do lado líbio. Desesperados, alguns dos refugiados arremessavam suas bolsas e tentavam pular para o outro lado. Nesse momento, os guardas começaram a agredi-los com golpes de cassetete e a disparar.

Um repórter da Reuters viu equipes médicas do Crescente Vermelho retirando pelo menos três pessoas desmaiadas do meio da multidão. Voluntários jogavam garrafas de água para o lado líbio da fronteira. "Parece que a situação vai piorar... Eles (os refugiados) vão acabar arrebentando o muro", declarou Ayman Gharaibeh, funcionário do Acnur. Cerca de 20 mil tentavam atravessar a fronteira da Líbia para a Tunísia ontem. "A situação está chegando ao patamar de uma crise", afirmou a porta-voz da entidade, Melissa Fleming.

Do lado líbio, cenas de caos também ocorreram, com milhares de refugiados egípcios exigindo que o governo provisório de seu país os repatrie o quanto antes. "Quando seremos retirados daqui? Tragam um camelo! Eu aceitarei um camelo! Só quero voltar para casa", disse um egípcio acampado a 5 km da Tunísia.

O Acnur ampliou ontem a capacidade desse acampamento para 10 mil pessoas e ainda pretende dobrar o número de barracas no local. "Há uma tensão crescente. Água limpa e saneamento básico são os maiores problemas - as privadas serão nossa próxima dor de cabeça", disse Hovig Etyemezian, do serviço de proteção do Acnur. A caminho das fronteiras, os refugiados estariam sendo confundidos com mercenários pelos rebeldes e se tornando alvo de seus disparos.

Segundo o governo do Egito, cerca de 69 mil refugiados já cruzaram sua fronteira com a Líbia - a maioria é de egípcios que foram transportados a suas cidades e vilarejos. / REUTERS e AP