Título: Com uma câmera na mão, garota mostra ao mundo revolta líbia
Autor: Chacra, Gustavo
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/03/2011, Internacional, p. A9

Ajudada por uma amiga brasileira que viveu na Líbia, Noni, de 15 anos, postou fotos da rebelião anti-Kadafi em Benghazi

Nascida quando Muamar Kadafi já somava quase três décadas no poder, a estudante líbia Noni Zada, de 15 anos, não se limitou a ir às ruas de Benghazi, onde mora, exigir a queda do ditador. Noni fez uma série de fotos dos distúrbios em sua cidade - a segunda maior do país e estopim da rebelião. Flagrou manifestações, prédios destruídos, cartazes e pichações anti-Kadafi, bonecos do ditador enforcado.

A garota divulgou as imagens na internet. Inicialmente, não conseguiu reproduzi-las no Facebook, mas descobriu que poderia publicar o material no Orkut. Uma amiga, a brasileira Mariana Hansen, encarregou-se de distribuir os testemunhos da revolta contra o regime.

Mariana é filha de um funcionário brasileiro da construtora Queiroz Galvão, Roberto Roche, que ficou confinado em uma casa com outros 50 estrangeiros em Benghazi, até conseguir embarcar para o Brasil, aonde chegou ontem.

Filha de um engenheiro líbio e de uma dona de casa jordaniana, Noni tem a fotografia como hobby e sonha em ser escritora ou jornalista. Fluente em inglês, que aprendeu na escola bilíngue, ela fez um relato dos dias anteriores à ocupação de Benghazi pelos opositores de Kadafi.

"O tiroteio foi aleatório. Não pouparam nem mesmo os funerais. As pessoas que estavam com Kadafi dispararam até em quem estava carregando e enterrando os mortos", disse Noni. "Meu cunhado é médico e contou que mais da metade dos feridos que estão no hospital foi atingida na cabeça, no pescoço, no tórax - o que significa que o objetivo era matar e não ferir. Havia mortos dos 12 aos 70 anos. Kadafi trouxe mercenários de países africanos para matar seu povo", lamenta a jovem.

A maior parte das fotos foi tirada por Noni nos dias 20 e 24 de fevereiro, quando a garota foi às ruas acompanhada dos pais e de outros parentes. "Todos foram ao protesto, o lugar estava cheio de homens e mulheres. Estávamos todos no mesmo barco. Pedimos a ajuda de Deus, cantamos e fizemos piada com Kadafi", descreve.

Fã do escritor americano Nicholas Sparks e de cinema em geral, Noni conta que tem visto pouco os amigos e não tem ido à escola, que está fechada. "Poucos lugares estão abertos, em poucas semanas podemos ter falta de comida. Os remédios também estão acabando", diz.

Segundo ela, ainda é possível ver muitos opositores de Kadafi armados nas ruas de Benghazi. "Eles querem marchar até Trípoli", conta.