Título: O novo nome da política industrial
Autor: Garnero, Mario
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/03/2011, Economia, p. B2

Uma das características comuns do "hiperliberalismo" e do "hipernacionalismo" que dominaram a cena econômica na América Latina e outras partes do mundo desde os anos 90 foi a ausência de política industrial.

Muitas foram as reinterpretações da velha doutrina das vantagens comparativas. De acordo com David Ricardo, países deveriam centrar-se no que suas vocações permitissem fazer melhor ao mais baixo custo. No século 19, cabia à Inglaterra produzir máquinas; a Portugal, vinho do Porto. Atribui-se parte da recente prosperidade chilena à tal reinterpretação: a escolha de uns cinco setores que receberiam foco e incentivo.

Argentina ou México (e por certo tempo o Brasil) adotaram as recomendações do economista John Williamson e seu Consenso de Washington sem adaptações. O resultado, além do trânsito desgovernado de capitais de curto prazo, foi a noção de que política industrial era algo do passado. No limite e sem margem de erro, "o mercado é quem deve decidir". Ambos os países vêm sofrendo traumática desindustrialização.

Já a Venezuela ou a Bolívia deram sentido econômico ao bolivarianismo na diretriz de que política industrial é nacionalizar indústrias existentes. Como se estruturas físicas, e não o fluxo de que fazem parte, fossem a fonte de riqueza. Consequência: obsolescência tecnológica e irrelevância ante congêneres mais dinâmicos.

Não há desenvolvimento sem política industrial. EUA, Japão, Alemanha, China e Coreia do Sul: todos tiveram sua versão de política industrial.

Japão e Coreia do Sul consolidaram gigantescos conglomerados multissetoriais, como Mitsubishi ou Hyundai, cujos negócios passam por automóveis, finanças ou alimentação. No Japão e Alemanha pós-guerra e na China pós-Mao, a política industrial alinhou-se ao agressivo comércio exterior. Daí esses países (sobretudo Alemanha e China) terem se configurado como os maiores exportadores mundiais dos últimos 20 anos.

Os EUA usam o orçamento de defesa como instrumento de inovação. Dos cerca de US$ 800 bilhões assinalados ao Pentágono a cada ano, 12% (ou quase US$ 100 bilhões) vão para projetos intensivos em tecnologias sensíveis. Entregues as encomendas, empresas envolvidas adaptam novas tecnologias ao mercado civil. Surgem daí as disruptive technologies de que a internet e a telefonia celular são exemplos conhecidos.

No caso brasileiro, houve quem fizesse crer que a capacidade de fomento do Estado não deveria estar centrada, pela perda de tempo e recursos, no fortalecimento dos setores fármacos, eletroeletrônicos, semicondutores, da indústria naval e de tantos outros em que vários países se encontram à frente do Brasil em qualidade, escala e preço.

O modelo de substituição de importações, como aplicado nos anos 60 ou 70, está ultrapassado. O Brasil tem utilizado prioritariamente dois instrumentos, um custoso. O outro, se utilizado de forma estratégica, muito eficiente.

O primeiro é a alíquota de importação média praticada pelo Brasil. Embora distante dos patamares de "reserva de mercado", certos setores continuam demasiadamente protegidos. Perde o consumidor e toda uma cadeia produtiva vê-se comprometida em sua competitividade - elevadas taxas para a importação de hardware penalizam a indústria local de software e daí por diante.

O segundo é o chamado "conteúdo local". Eis o novo nome da política industrial. Utilizar o principal instrumento de fomento do Estado - seu poder de compras governamentais - para ativar setores e atrair empresas estrangeiras a realizarem no País suas operações. Em suma, concretizar a indução mediante o Estado como cliente.

São objetivos estratégicos que vão além da compra em si. É o que o Brasil vem corretamente fazendo. Nos próximos anos, a curva de aprendizado e a modernização trabalhista e fiscal equipararão preços brasileiros internacionalmente. Então, seguramente o conteúdo local poderá depender menos de compras do Estado e mais de sua própria competitividade.

PRESIDENTE DO GRUPO BRASILINVEST, FÓRUM DAS AMÉRICAS E ASSOCIAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS-BRASIL