Título: EUA mantêm cautela sobre plano de impor exclusão aérea a caças de Kadafi
Autor: Marin, Denise Chrispim
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/03/2011, internacional, p. A10

Enquanto rebeldes na Líbia pediam ataques aéreos ocidentais contra as forças que defendem o ditador Muamar Kadafi, o governo americano ontem se mantinha reticente em relação ao estabelecimento de uma zona de proibição de voos no espaço aéreo líbio. "Essa é uma das opções que nós vamos olhar", disse o presidente Barack Obama. "Temos também opções não militares que vamos executar. Quero ter certeza de dispor de todas as opções."

Na véspera, o secretário americano de Defesa, Robert M. Gates, advertira o Congresso de que mesmo um esforço mais modesto para estabelecer uma zona de exclusão aérea sobre a Líbia teria de começar com um ataque às defesas aéreas do país e requereria "uma operação grande num país grande".

A cautela de Gates ilustra o abismo existente entre o que os rebeldes e alguns membros de peso do Congresso americano e alguns parceiros importantes da comunidade internacional pretendem fazer para abrir corredores de suprimento e ajuda humanitária aos rebeldes líbios e impedir Kadafi de disparar contra seu próprio povo. Mas restrições orçamentárias e a possível perda de vidas americanas também entraram na conta do Pentágono.

O ministro de Relações Exteriores da Grã-Bretanha, William Hague, reiterou ontem que os parceiros europeus estão analisando "um plano de contingência, certo e necessário", para o caso de Kadafi seguir resistindo à ideia de deixar o poder. "Também destacamos que a implementação de uma zona de exclusão aérea deve ser legalizada, com forte apoio internacional e a participação de muitos países."

A medida seria uma clara intervenção militar no país, por permitir o abate de qualquer avião militar líbio que viole o embargo aéreo. Assim como nos Balcãs nos, anos 90, e no Iraque, até 2003, isso impediria ataques aéreos contra civis.

Os EUA continuam a se mover no Conselho de Segurança e na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) para obter as autorizações necessárias para uma intervenção militar, de caráter multilateral, na Líbia. No Conselho de Segurança, o principal impedimento está na posição da Rússia, país reticente a punições mais pesadas sobre o regime de Kadafi e com poder de veto a uma possível resolução de conteúdo militar. Na Otan, os EUA ainda precisariam convencer a França, a Alemanha e outras potências a apoiar a zona de exclusão aérea e a juntar suas forças de combate às americanas.

Ao lado do presidente do México, Felipe Calderón, que visitava a Casa Branca, Obama anunciou o envio de aviões civis contratados pelo Departamento de Estado às fronteiras da Líbia com o Egito e a Tunísia, para o transporte de refugiados estrangeiros a seus países de origem.

"Muamar Kadafi perdeu a legitimidade diante de seu povo e tem de renunciar. Será bom para o seu país, bom para o seu povo e é a coisa certa a fazer", afirmou. "A história está se movendo contra o coronel Kadafi", completou Obama. "Nós vamos continuar a enviar uma clara mensagem: a violência tem de acabar."

Pelo lado europeu, Hague reuniu-se ontem em Paris com o recém-nomeado chanceler francês, Alain Juppé, e obteve dele o compromisso da França de estudar o plano traçado pela Otan.

"Estamos trabalhando com nosso parceiros nesse ponto, sobre as condições para estabelecer essa zona de exclusão. Tomaremos uma decisão quando a situação ficar mais clara do que está hoje", disse Juppé.

Alto custo. "Vamos falar francamente", disse Gates aos congressistas na quarta-feira. "Uma zona de exclusão aérea começa com um ataque sobre a Líbia para destruir suas defesas aéreas. É assim que se faz uma zona de exclusão aérea. E aí poderemos sobrevoar por todo o país sem nos preocupar com a possibilidade de nossos rapazes serem derrubados. Mas é assim que começa."

Para contribuir com a cautela de Gates, os rebeldes em Benghazi, a cidade líbia controlada pelos adversários de Kadafi, têm deixado claro que querem mais que uma simples zona de exclusão aérea. Pouco depois de formarem um "conselho de governo nacional interino", chefiado pelo ex-ministro da Justiça de Kadafi, Mustafa Abdel-Jalil, eles pediram que potências ocidentais façam ataques aéreos contra as "fortalezas dos mercenários" e todo o equipamento "usado contra civis e o povo", segundo a agência de notícias Associated Press.

O apelo parece indicar que os rebeldes, embora eficazes até agora para rechaçar ataques dos combatentes leais a Kadafi, não acreditam que possam desalojar o ditador de seu reduto em Trípoli. O senador Joseph I. Liberman, independente de Connecticut, que com o senador John McCain, republicano do Arizona, vem defendendo a adoção da restrição aérea, disse após a declaração de Gates: "É complicado? É. Podemos fazê-lo? Claro". Ele observou: "Nós o fizemos por um longo tempo e com muito sucesso no Iraque".

Nos últimos dias, militares americanos, mesmo enquanto posicionavam navios ao largo da costa líbia, advertiram que a exclusão aérea não seria tão antisséptica como parece - e causaria problemas diplomáticos e políticos internacionais difíceis de superar. Uma autorização dessas não está contida da resolução do Conselho de Segurança da ONU aprovada na semana passada, e não há nenhum movimento no organismo para endurecer essa resolução. / COM NYT E REUTERS