Título: Crescimento de 2010 foi um ponto fora da curva
Autor: Dantas, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/03/2011, Economia, p. B1

Desempenho da economia no ano passado não é sustentável, pois está muito acima da capacidade do País de produzir sem tensionar os mercados

O ano de 2010 foi um ponto fora da curva. O crescimento de 7,5% foi puxado pela recuperação da indústria e pelo forte desempenho do agronegócio e dos serviços, e impulsionado pelos gastos públicos, a ampla oferta de credito e expansão da massa salarial.

Depois de uma contração de 0,6% em 2009, foi certamente bem-vinda a reação em 2010.

O Brasil teve um desempenho logo abaixo das duas grandes economias emergentes mais dinâmicas - China e Índia - e bastante superior ao nosso histórico das duas últimas décadas e meia.

Tal desempenho, contudo, não é sustentável, pois está muito acima da capacidade do País de produzir sem tensionar os mercados, e acentuar a brecha externa no balanço de contas correntes.

De fato, apesar da imprecisão nos cálculos do PIB potencial, este ainda permanece abaixo de 5%, e a necessidade de se moderar o aumento dos preços, com o ajuste nas contas publicas e o consumo das famílias, levará a um crescimento em torno de 4% em 2011.

O ano de 2010 deve ser comemorado pela melhoria no bem-estar da grande maioria dos brasileiros. Não apenas a renda per capita expandiu-se em 6,5%, como o consumo das famílias se ampliou em 7,5%, em linha com o PIB.

As importações - que em 2010 cresceram nada menos do que 27% - tiveram um papel critico para satisfazer uma demanda estimulada pela maior disponibilidade de renda.

Na realidade, a combinação de um real valorizado e maiores recursos nas mãos de famílias e empresas possibilitou que o consumo e o investimento se expandissem sem uma frustração antecipada do crescimento.

Onde está o nosso calcanhar de Aquiles? Certamente a taxa de investimento ainda é baixa (18,4% do PIB) e menor ainda é a taxa de poupança (16,5%), impondo uma restrição objetiva ao crescimento.

Ao mesmo tempo, o mercado de trabalho enfrenta limitações na oferta de mão de obra especializada.

Porém, por mais que se tenha sucesso em aumentar a taxa de investimento e treinar um número crescente de trabalhadores, o País não vai ingressar numa nova trajetória de crescimento sem aumentar de forma significativa sua produtividade.

E aí entram os fatores sistêmicos e os maiores desafios: uma infraestrutura deficiente que impõe elevados custos às empresas e à produtividade e bem-estar dos indivíduos; um sistema de educação cujos resultados espelhados em testes comparativos internacionais nos colocam numa posição de grande desconforto; uma pressão tributária elevada e - talvez mais importante - inconsistente com a qualidade dos serviços públicos.

EX-ECONOMISTA DO BANCO MUNDIAL, ATUALMENTE É CONSULTOR DA INTER B CONSULTORIA E AUTOR DE UM ESTUDO DO IEDI SOBRE INCENTIVOS AO CRÉDITO PRIVADO DE LONGO PRAZO