Título: As opções de Obama: intervir ou não na Líbia
Autor: Lander, Mark
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/03/2011, Internacional, p. A10

Presidente pediu à sua equipe análises de revoltas ocorridas na Europa, no Oriente Médio e na Ásia, para saber qual foi o papel dos americanos e suas consequências

Para o presidente Barack Obama, que advertiu o coronel Muamar Kadafi de que estava na hora de ele partir, a carnificina e o terror na Líbia que se observam agora o colocam diante de um dilema que, cedo ou tarde, todos os presidentes americanos da era moderna tiveram de enfrentar: se e como intervir com a força militar num conflito distante.

Dessa vez, a decisão é mais difícil em razão da história, da geografia e das circunstâncias peculiares da revolta na Líbia: um líder que todos sabem ser imprevisível e implacável, que fará tudo o que estiver ao seu alcance para se manter no poder; e um conflito que se assemelha tanto a uma guerra civil africana quanto a uma revolta de uma juventude motivada pela internet, como a que levou à renúncia de ditadores árabes no Egito e na Tunísia.

O apelo contundente de Obama para Kadafi deixar o cargo e a sua ameaça de colocar todas as opções militares na mesa caso o ditador não se decida deixaram claro que, para o presidente americano, os EUA não podem ficar à margem enquanto aviões líbios bombardeiam civis. Mas sua relutância em abordar uma medida mais óbvia - a criação de uma zona de exclusão aérea na Líbia - revela sua apreensão em colocar Washington numa situação volátil e numa região onde a intervenção estrangeira é vista comumente como neocolonialismo hipócrita.

Embora seja uma situação difícil, ela é bem conhecida de predecessores de Obama. Bill Clinton escreveu certa vez:

"(O) fracasso em tentar acabar com as tragédias em Ruanda foi um dos fatos mais lamentáveis de minha presidência", dizendo que ficou muito preocupado com o genocídio da Bósnia e amargurado pela lembrança de soldados americanos sendo arrastados pelas ruas de Mogadíscio, na Somália.

É um grande dilema, porque nos dois casos, interferindo ou não, as críticas vão surgir, disse Gary Bass, professor de política e assuntos internacionais em Princeton. "Se você interfere muito cedo e com isso consegue socorrer um número maior de vidas, as pessoas o acusam de reagir de maneira desproporcional", afirmou o professor. "Se você tarda em agir, ninguém vai acusá-lo, mas isso vai levar a muitas mortes."

Para complicar mais a questão, Obama herdou duas guerras em terras muçulmanas que parecem oferecer um argumento para os EUA não se envolverem numa terceira. Em seu discurso em 2009 para o mundo muçulmano, no Cairo, Obama fez o possível para deixar claro que os EUA não tinham ambições imperialistas no Iraque ou no Afeganistão - promessa que poderá ser testada se forças militares americanas entrarem num outro país árabe, mesmo que por razões humanitárias.

O fato de manifestantes no Egito e na Tunísia terem conseguido derrubar seus líderes sem ajuda dos F-16 americanos é visto como uma grande vitória pela Casa Branca. Deixar claro que os jovens árabes se sentem "donos" de seus movimentos políticos é um elemento fundamental da estratégia do governo americano, mesmo que o presidente Obama possa se expor a críticas de que não está agindo como deve para conter a violência quando ela ocorre.

Existem outras razões, mais práticas, para o governo seguir com cautela. O secretário de Defesa, Robert Gates, afirmou na semana passada que os EUA não podem se permitir entrar em mais uma guerra insolúvel no Oriente Médio. Mesmo uma zona de exclusão aérea, disse ele, é uma medida complexa e arriscada, uma vez que os caças americanos precisariam primeiro destruir os sistemas de defesa aérea da Líbia.

Seu ceticismo lembra o do general Colin Powell em 1992, quando presidia o Comando das Forças Conjuntas. Autoridades do governo de George H. W. Bush pensaram em criar uma zona de exclusão aérea na Bósnia para impedir a limpeza ética da população muçulmana pelos sérvios e a então primeira-ministra britânica, Margaret Thatcher, sugeriu que fossem ordenados ataques aéreos limitados. "Quando eles me dizem que é limitado, isso significa que não se preocupam se vamos alcançar um resultado ou não", afirmou Powell ao New York Times. "Quando me dizem que é "cirúrgico", eu me dirijo para o bunker".

Contudo, mais tarde, o governo Clinton convenceu as Nações Unidas a criar uma zona de exclusão aérea na Bósnia, o que ajudou a refrear o assassinato de muçulmanos pelos sérvios durante algum tempo. E os argumentos de que ataques aéreos limitados não funcionariam caíram por terra em Kosovo, onde 78 dias de bombardeios realizados pela Otan, em 1999, detiveram o líder sérvio Slobodan Milosevic, impedindo-o de continuar perseguindo a população albanesa.

Segundo os defensores de uma zona de exclusão aérea, nos dez anos após a Guerra do Golfo, em 1991, os EUA e aliados usaram essa tática eficazmente para defender os curdos ao norte do Iraque e os xiitas ao sul, cuja revolta, sem nenhum auxílio, em 1991, fracassou.

Esses precedentes agora estão sendo reunidos por parlamentares como os senadores John McCain e Joseph Lieberman, que apoiam uma zona de exclusão aérea na Líbia. "Fizemos isso por um longo tempo e com sucesso no Iraque", observou Lieberman. O senador John Kerry, democrata de Massachusetts, um aliado-chave do governo no campo da política externa, também insistiu para Obama manter essa possibilidade em aberto.

"Ninguém quer ver os EUA ou a Otan derrubando aviões líbios", disse Tom Malinowski, diretor da Human Rights Watch (HRW), em Washington, que tem elogiado a posição do governo. "O que todos querem é que sejam enviados os sinais adequados na direção do governo líbio."

Obama pediu à sua equipe para analisar outras revoltas ocorridas anteriormente na Europa Oriental, no Oriente Médio e no Sudeste Asiático, para saber como se desenrolaram e qual foi o papel dos americanos nos levantes.

E ele não ficará sem um conselho apaixonado: entre os membros da equipe está Samantha Power, especialista em direitos humanos, vencedora do Premio Pulitzer por um livro em que narra as respostas dos EUA no caso de genocídios praticados no exterior.