Título: Aparato de terror do regime calava revolta
Autor: Sant¿Anna, Lourival
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/03/2011, Internacional, p. A8

Com enforcamentos e demonstrações de força, regime impôs silêncio sangrento em Benghazi e por décadas conseguiu sufocar opositores

No bairro de classe média alta de Tapalino, em Benghazi, há um casarão de três andares incendiado, suas paredes marrons enegrecidas pelo fogo. No muro da frente há uma pichação que diz: "Este terreno foi roubado da família Boujarad." A casa vizinha da direita é um sobrado branco, cujo muro da frente está parcialmente coberto por uma grande faixa de pano com os dizeres: "Velório de Ali Hassan Jeroush."

Na casa marrom morava Hoda bin Amr, supervisora da aplicação do orçamento para todos os ministérios na região de Benghazi. Hoda ficou famosa durante o enforcamento de estudantes que tinham participado de um protesto contra o regime de Muamar Kadafi, por volta de 1987. Um dos condenados continuava se contorcendo, pendurado pelo pescoço. Ela o agarrou pela cintura e o puxou para baixo, para terminar de matá-lo.

O gesto de adesão ao regime lhe valeu altos cargos no governo e uma vida confortável. E o ódio dos moradores de Benghazi. No calor da revolta, no dia 20, quando milhares de jovens apoiados por soldados do Exército derrotaram as forças especiais no Quartel Fathil Abu Omar, Hoda fugiu com o marido e os filhos de casa, antes de o local ser incendiado por manifestantes. Na fúria, eles depredaram até os carros seus vizinhos.

Jeroush, de 24 anos, estava no quarto ano de direito na Universidade Garyounis. Trabalhava com o pai, também advogado e dono de uma livraria grande, e se casaria no verão.

No dia 18, ele voltava caminhando do enterro de manifestantes mortos no protesto da véspera. E acabou assassinado por apoiadores de Kadafi.