Título: Negociantes de armas
Autor: Lapouge, Gilles
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/03/2011, Internacional, p. A10

Nem todo mundo está entusiasmado com essas revoluções que sacodem os regimes de força do Norte da África - Tunísia, Egito e Líbia. É o caso dos negociantes de armas, americanos ou europeus. O embargo decidido pelas Nações Unidas e União Europeia contra a Líbia os deixou nervosos. O que vai ocorrer com suas pequenas maravilhas, seus detectores de minas e minas, seus mísseis e blindados?

É um "buraco negro", lamentava um negociante de canhões francês (anonimamente, é claro, já que o charme dessa profissão é a discrição).

Uma tentativa para animá-los é lembrar que "ainda existem grandes compradores, como Índia, Brasil, Rússia, China". O que é verdade, mas para os fabricantes de armas europeus, em todo caso, o Oriente Médio era mais produtivo. É nos países árabes ou muçulmanos que se encontram os clientes mais sólidos dos negociantes britânicos, franceses e italianos.

Um navio francês é o símbolo irônico desse transtorno provocado pelas sanções: o navio-escola francês Mistral foi enviado por Paris à Líbia para transportar os cidadãos franceses de volta ao seu país.

O curioso é que os depósitos do navio estavam repletos de material de guerra porque, em princípio, ele iniciaria uma viagem de quatro meses pelos países do Golfo e Ásia, para mostrar suas mercadorias. Uma metamorfose brutal do Mistral: equipado para a morte, o belo navio desviou sua rota para a vida (a retirada dos franceses na Líbia).

A Líbia era um bom alvo. Um país rico e com um Exército mal equipado. Mas estava se recuperando do atraso: desde 2007 técnicos franceses da Thalès e da SNECMA vinham modernizando os 12 Mirage F-1 da Dassault vendidos à Líbia em 1973. Um outro grupo de franceses já estava de partida para ensinar aos soldados líbios como usar o míssil antiblindados Milan.

Segundo especialistas, após o vendaval atual, os países da região vão moderar suas necessidades de armas (os do Norte da África, certamente, mas também os países do Golfo Pérsico que constituem o mercado mais lucrativo para os comerciantes de armas).

E novamente deparamos com o Rafale, essa joia tecnológica e vetusta da Dassault. Em 2006, na época dos grandes amores entre França e Líbia, um acordo de cooperação militar, no valor de 4,5 bilhões, foi assinado. Mas isso é coisa do passado. Pobre Rafale!

Assim, procura-se desesperadamente outros compradores. A Arábia Saudita tem recursos para isso, mas já está bem equipada. A esperança é Abu Dabi. Mas Abu Dabi já enfrenta problemas de déficits.

A França não é a única vítima da Primavera Árabe. A Rússia foi ainda mais afetada. Este país é o segundo maior exportador de armas do mundo, depois dos Estados Unidos. Moscou calcula uma perda de US$ 4 bilhões em negócios não realizados só com a Líbia: sobretudo caças e mísseis aéreos. Além disso, após a visita de Muamar Kadafi a Vladimir Putin, em abril de 2008, foram iniciadas negociações para compra de helicópteros, tanques, mísseis S-300, mísseis de defesa aérea Tor-M1 e do caça ultramoderno Su-35.

Kadafi também tinha proposto, no final de 2008, que uma base militar naval russa fosse construída em Benghazi, a segunda cidade da Líbia, que está agora nas mãos dos opositores do ditador. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO É CORRESPONDENTE EM PARIS