Título: ''Gradualismo funciona, mas tem riscos''
Autor: Dantas, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/03/2011, Economia, p. B4

Um dos riscos é se achar que a inflação já incorporou as altas das commodities; outro é a volta de indexações formais e informais, pois a inflação vai ficar em 6% por mais tempo

O economista-chefe do Itaú Unibanco, Ilan Goldfajn, define a estratégia de política monetária do Banco Central (BC) de "gradualista". Para Goldfajn, ela deve funcionar, mas apresenta diversos riscos, que seriam minimizados caso o combate à inflação fosse intensificado com altas maiores e mais rápidas da Selic, a taxa básica de juros - hoje em 11,75%, depois do aumento de 0,5 ponto porcentual na quarta-feira.

Com a atual estratégia, ele diz, o PIB pode crescer abaixo de 4% em 2011 e 2012. Um ataque menos gradualista, por sua vez, poderia levar a economia a uma expansão de menos de 3% este ano, mas em 2012 ela poderia retornar ao seu potencial, que Goldfajn vê entre 4,5% e 5%.

Ele também vê chances de que a inflação fique por um longo período perto do teto de 6,5% da meta (o centro é 4,5%).

A seguir, a entrevista.

O que o sr. achou do PIB de 2010?

Foi o resultado de uma economia saudável, em recuperação. Depois de um ano de queda de 0,6% do PIB, recupera-se no outro, indo para 7,5%. Esse resultado indicou alguns excessos - não tanto pelo 7,5%, mas porque a demanda cresceu acima deste valor.

A demanda já está num nível mais adequado?

Não, ela ainda está acima do sustentável, mas já num ritmo menor do que na maior parte do ano passado. Se olharmos o consumo no último trimestre, ele ainda foi alto, mas achamos que a demanda vai desacelerar. Na verdade, a pergunta é: em que ritmo? Pensamos que ela vai desacelerar de forma gradual, e isso vai permitir que a inflação fique ao longo de muito tempo, cerca de um ano e meio, num patamar muito próximo do teto da banda. Fica próximo de 6,5%, depois vem pra 6%, depois no final do ano que vem fica em 5%. É uma estratégia gradualista de desaceleração da demanda.

E quais são as consequências disso em termos de política monetária?

Vamos precisar ainda complementar a alta (da Selic) dessa semana com mais 0,75 ponto porcentual, que acho que é o plano do Banco Central - 0,75 a 1 ponto porcentual. E depois acreditamos que vai ter mais uma rodada de alguma medida macroprudencial. Mesmo assim, vai acabar com a inflação fechando em torno de 6% este ano, e em torno de 5% no ano que vem, como eu disse.

O que o sr. acha dessa política gradualista?

Ela funciona, mas tem riscos. Achamos que uma política menos gradualista funcionaria mais rápido. Ela seria mais custosa no curto prazo em termos de desaceleração da demanda, mas envolveria menos riscos para a inflação e para o País.

E quais são os riscos da política gradualista?

O primeiro é a gente achar que a inflação já incorporou os aumentos de commodities do começo do ano e no final de 2010, quando, na verdade, pode haver ainda um resíduo. Se houver, em vez de se levar a inflação para algo em torno de 6%, ela vai ficar acima de 6,5%, e se estoura o teto e a meta este ano. Outro risco é o de reavivar mecanismos de indexação informais e formais, uma vez que a inflação vai ficar em torno de 6% por mais tempo.

Por quê reavivaria?

Se a inflação fica em 3,5% a 4,5%, a pessoa reajusta nesses níveis, no máximo 5%. Se começa a ficar em 6%, 7%, é capaz que peçam 8%, outros podem pedir 10% de reajuste. Quanto mais tempo ficar na cabeça das pessoas que a inflação no Brasil é mais alta, mais difícil é remover isso depois. Você acaba internalizando nos formadores de preço um reajuste maior. Isso é um risco, não necessariamente vai acontecer. Mas ainda é um risco, e é por isso que é melhor fazer as coisas logo do que gradualmente.

Há algum outro risco?

Sim, a fadiga no processo de desaquecimento e combate à inflação. Fazer a maldade de uma vez significa gerar um custo logo e depois você alivia, e a coisa já ficou para trás. Já para passar dois anos tentando desaquecer a economia, a demanda desaquecendo neste ano, e depois de novo no ano que vem, cria-se alguma chance de fadiga neste processo - o pessoal achar, já no começo do ano que vem, que já fez o que deveria ter feito. "O ano de 2011 não foi de ajuste? Já estamos em 2012". E então o lado fiscal não precisa ser tão ajustado, os juros já podem começar a cair. O risco é que o apoio a este período de ajuste acabe sendo comprometido ao longo do tempo, se durar muito.

É um risco político?

Diria que é um risco da sociedade, que envolve risco político também.

Então como deveria ser o ajuste, na sua opinião?

Acho que se fosse mais rigoroso, estaria de bom tamanho. Teria de subir a taxa de juros um pouco mais, logo, com duas altas de 0,75 ponto porcentual. Seria mais doloroso, mas mais apropriado no momento. Depois, poderia talvez cair mais rápido no final de 2012.

Quais as projeções de crescimento do Itaú para 2011?

Estamos com uma projeção de 4% de crescimento para este ano, mas estamos revendo para baixo. Em direção a 3,5%. Acho que a política fiscal, as medidas macroprudenciais e os juros têm efeito sobre a economia.

Se o BC adotasse a estratégia que o sr. defende, seria ainda mais baixo?

Sim, seria. Mas aí, em 2011, em vez de ficar abaixo de 4% também, poderíamos estar voltando.

No cenário de manutenção da política gradualista, cresce abaixo de 4% também em 2012?

Um pouquinho abaixo ou em torno de 4%, digamos. O número que temos hoje é 3,8%.

Dois anos abaixo de 4%?

Isso, e é daí que viria a fadiga do processo. É melhor fazer um ajuste um pouco mais doloroso este ano, talvez com crescimento abaixo de 3%, e no ano que vem já se voltaria para o crescimento potencial, qualquer coisa entre 4,5% e 5%.

A tentativa do governo de segurar o dólar tem impacto na inflação?

A opção tem sido de manter o real constante de forma a não impactar exportadores fora do setor de commodities. Em compensação, não tem mais o colchão da valorização do câmbio para amenizar a alta das commodities. Então, na verdade, você tem os benefícios e os custos de uma economia mais próxima do câmbio estável. Os custos são que as commodities sobem e você não compensa, traz a inflação todinha para dentro. O benefício é que aqueles que estão sofrendo mais com a valorização do câmbio, e que não têm o benefício da subida dos preços das commodities, não sofrem ainda mais. Se for um movimento temporário, é bom suavizar mesmo. Se for permanente, não.

Mas o sr. é favorável à política atual?

Sou favorável a suavizar os movimentos, mas não a fixar o câmbio. Suavizar é o que em inglês se chama de se "inclinar contra o vento", é fazer uma força contrária ao movimento, para evitar excessos. Mas, se a coisa se revela permanente, deveria deixar a tendência dominar. Se não, muda-se o regime. Eu acho que eles têm sido um pouco mais fortes em relação a valorizações adicionais. Elas têm incomodado, o que faz com que eles estejam indo além de, digamos, simplesmente colocar areia nas engrenagens.

É um pouco mais do que o sr. faria?

Sim, um pouco mais. Eu tomaria mais cuidado para evitar a percepção de que o câmbio é fixo.

O que o sr. achou do pacote fiscal?

Ele mostra de fato um esforço de contenção de despesas. Nas nossas estimativas, são R$ 51 bilhões de congelamento e mais o que pode vir na decisão sobre os restos a pegar. Tem alguns que podem ser cancelados, outros que podem ser adiados para o ano que vem - calculamos uns R$ 10 bilhões para isso. O esforço todo vai levar não à meta de superávit primário cheia, de 2,9% do PIB, mas a um crescimento real dos gastos de 3%, que é bem abaixo dos 8% ou 9% em que estávamos rodando. Em alguns anos, chegou a 10% real acima da inflação. Essa redução faz uma diferença enorme sobre a demanda agregada. Acho que essa política fiscal tem efeito, é saudável.

E o novo empréstimo ao BNDES?

As transferências para o BNDES deveriam ter sido descontinuadas este ano, que é de ajuste. Mas, ainda assim, o valor anunciado, de R$ 55 bilhões, se ficar nesse número, é menor que no ano passado, quando foi cerca de R$ 110 bilhões. Achamos que essa redução deve ter impacto na demanda, assim como também as medidas macroprudenciais.