Título: Uma visão do crescimento brasileiro
Autor: Barros, José Roberto Mendonça de
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/03/2011, Economia, p. B7

Vamos de novo voltar a crescer algo como 4% em 2011. Para alguns analistas o número pode ser ainda menor, tanto para este ano como para 2012. Neste caso, a expansão média do período 2003/12 terá sido também de 4%. Coincidência ou não, e acho que não é coincidência, toda vez que o Brasil passa bem de 5% de expansão aparecem desequilíbrios, como a inflação, que obriga as autoridades a puxar o freio de mão e a esfriar a economia, como ocorrido em 2004 e 2008.

O curioso é que os principais fatores de expansão da demanda agregada são perfeitamente consistentes com uma expansão sustentada do PIB de 6-7% ao ano. Falamos aqui do crescimento atual e potencial do consumo das famílias, das exportações das cadeias de recursos naturais, como o agronegócio, minérios e metais e óleo e gás, e do crescimento dos investimentos privados e da Petrobrás nestes mesmos setores. Investimentos em outros setores apenas reforçariam o ponto.

O que nos segura então?

Como sempre, fatores de curto e de longo prazo.

Consideremos primeiro os fatores de curto prazo. Entramos em 2011 com certos desequilíbrios, expressos na ameaça inflacionária e na rápida deterioração do déficit em conta corrente, que projetamos atingir US$ 68 bilhões neste ano. Ainda que o mesmo seja financiável sem dificuldades neste ano, a história brasileira mostra com riqueza que a vulnerabilidade externa costuma ser mortal em caso de crise internacional de financiamento; em momentos desta natureza o colchão de reservas é sempre mais frágil do que se parece, pois o estoque de passivos em dólar detidos pelo País será sempre um múltiplo do caixa externo. O mesmo problema apareceu, por exemplo, na Rússia em 2008.

Por outro lado, a ameaça inflacionária também decorreu, como se sabe, da política expansionista colocada em prática em 2009, basicamente correta que, entretanto, não foi revertida no fim daquele ano, quando já estava clara a recuperação da atividade; ao contrário, e com o pleno conhecimento e validação das autoridades econômicas, o expansionismo foi acelerado tendo em vista a eleição da nova presidente. Na prática, a demanda agregada passou a crescer a algo como 11% ao ano, velocidade evidentemente insustentável.

Lentamente, nossas autoridades começaram a admitir os problemas e hoje já aceitam que o ano está perdido do ponto de vista da inflação, que baterá ou ultrapassará o teto da banda pelo meio do ano. Publicamente o governo anuncia então um ajuste fiscal e a ativação da política monetária, através de elevações da taxa básica de juros (cuja segunda rodada ocorreu nesta semana), e de medidas de controle de crédito, chamadas de macroprudenciais.

Entretanto, trazer a inflação para a meta ao final de 2012 será muito mais difícil do que parece.

Como coloquei aqui no dia 23 de janeiro a inflação é muito mais feia do que parece. O grande problema é a elevação da inércia inflacionária, resultante da indexação formal (como a de aluguéis e de e certos preços administrados), da elevada inflação do ano passado e da volta de uma certa indexação informal nos preços livres.

Precificação. De fato, parece que todos os agentes passaram a ver 6% como um número a partir do qual as decisões de precificação estão sendo feitas. Todos os casos que conheço, por exemplo, na área de alimentação, de higiene e limpeza falam de reajustes nominais maiores que 7%, com alguns itens, como o café, que chegam a 15%; o aço deverá se elevar algo como 10%; o querosene de aviação já foi majorado em 16% neste ano e a nafta em 15%. Mesmo a saudada decisão quanto ao valor do salário mínimo foi conseguida à custa de uma indexação formal e de um reajuste da mais de 14% para o início do ano que vem. A meu ver este comportamento está se generalizando e vai levar a inflação a ultrapassar o teto da meta e não será tarefa simples trazê-la de volta para baixo. Se a crise no Oriente Médio não sair do controle (o que é nossa hipótese básica) o petróleo deverá ficar oscilando na faixa de US$ 100/110 por barril, o que dificulta, mas não impede a continuidade da recuperação americana, bem como o forte crescimento na Ásia. Neste caso, as outras commodities se manterão elevadas, e com elas a pressão no custo de alimentação. O custo salarial seguirá aquecido, pois mesmo um crescimento de 4% implica em pressões, tão seco e apertado está o mercado de trabalho.

Minha percepção é que o conjunto de medidas anunciadas (medidas prudenciais, ajuste fiscal e, aparentemente, um ciclo de 150 pontos de ajuste da Selic), mesmo que realizado, será insuficiente para virar a economia e mudar em seis meses a trajetória da inflação. Neste meio tempo a indexação e a inércia deverão continuar.

O ajuste fiscal será muito mais difícil do que pode parecer, dados os efeitos deletérios da contabilidade criativa e que do corte anunciado de R$ 50 bilhões, algo como R$ 20 bi é apenas vento (ou seja, elevações artificiais de receita e despesa inventadas pelo Congresso) e que do remanescente, apenas R$ 13 bilhões poderiam ser caracterizados como redução efetiva de gastos.