Título: Os bancos chineses parecem fortes, mas são frágeis
Autor: Trevisan, Cláudia
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/03/2011, Economia, p. B10

Para diretor do J.P.Morgan na China, sistema financeiro do país está encapsulado num sistema controlado pelo governo

ENTREVISTA

Carl Walter, coautor do livro "Red Capitalism"

A explosão de empréstimos para estimular o crescimento da economia chinesa em 2009 e 2010 vai inevitavelmente levar ao surgimento de créditos podres, que exigirão uma nova onda de capitalização dos bancos dentro de dois a três anos. A afirmação é de Carl Walter, um dos autores de Red Capitalism (Capitalismo Vermelho), trabalho que apresenta um retrato devastador do sistema financeiro comandado por Pequim. O subtítulo do livro antecipa o recado que Walter e Fraser Howie dão em suas 256 páginas: o frágil alicerce financeiro da extraordinária ascensão da China. "Os bancos chineses estão totalmente encapsulados dentro de um sistema de moeda não conversível, no qual o risco é controlado pelo Partido, e não pelo mercado", disse Walter ao Estado. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Em seu livro, o sr. diz que os bancos chineses parecem sólidos, mas são frágeis e, nesse sentido, são um reflexo do país.

Os bancos chineses parecem fortes, mas eles têm apenas dez anos de idade. Quando começou sua reestruturação, em 1998, eles estavam quebrados, como o próprio governo admitia. Eles tiveram IPOs bem-sucedidos e ainda deveriam estar no processo de emergir como instituições. Não se pode esperar que instituições de dez anos sejam particularmente fortes.

Mas a crise global deixou a impressão de que o modelo chinês é superior ao ocidental.

Correto. E um dos mais famosos líderes do sistema bancário chinês, Ma Weihua, do China Merchants Bank, disse claramente por que: não sofremos com a crise porque estamos isolados da crise. Nós estamos atrás de uma moeda não conversível e operamos em um sistema financeiro no qual os estrangeiros têm apenas 1,77% dos ativos. Não há como esse sistema ser afetado. Os bancos chineses estão totalmente encapsulados dentro de um sistema de moeda não conversível, no qual o risco é controlado pelo Partido, e não pelo mercado.

O sr. afirma que a explosão de empréstimos de 2009 e 2010 exigirá uma nova onda de capitalização dos bancos em dois a três anos.

Os bancos só emprestam para o setor estatal. Deveria ser crédito excelente, mas não é isso que ocorre. Quando o governo chinês saneou os bancos, entre 2000 e 2006, havia o equivalente a US$ 500 bilhões de créditos podres. Eles foram para as AMCs (Asset Management Companies), que recuperaram apenas 20% do valor. Quando os Estados Unidos tiveram a crise de savings and loans (poupança e crédito) nos anos 90, eles fecharam 1.400 companhias, tiveram US$ 500 bilhões em créditos podres e demoraram dez anos para recuperar 60% a 70% disso. Por que naquela economia você tem 60% a 70% de recuperação e nesta, em que tudo é controlado pelo Estado, você tem apenas 20%? Porque o setor estatal não é um bom pagador. Esses caras emprestaram o equivalente a US$ 1,2 trilhão ao ano nos últimos dois anos e tudo está indo para o governo. Você vai me dizer que não haverá créditos podres? O ministério das Ferrovias está construindo linhas de trem de alta velocidade que são bonitas, mas que ninguém utiliza, porque não pode pagar.

Segundo o livro, o modelo dos bancos chineses é intensivo em capital e exige periódicas injeções de recursos para se manter. Mas eles têm dinheiro. Qual é o problema?

Não, eles não têm dinheiro. O que eles têm são reservas internacionais em dólares. O banco central comprou esses dólares emitindo yuans. Como você coloca esse dinheiro de volta na economia sem criar mais yuans? É extremamente inflacionário. Quando o Bank of China e o China Construction Bank receberam reservas internacionais no momento da reestruturação, eles receberam dinheiro, mas depois o Banco do Povo da China retirou o dinheiro de circulação vendendo títulos para manter a inflação sob controle. Os bancos já deixam no Banco Central 20% de depósito compulsório porque querem evitar que a inflação dê um salto. A quantidade de dinheiro trancada no sistema é incrível. A pressão inflacionária já é grande, porque o yuan é muito barato. Todos estão exportando loucamente, os dólares entram, eles imprimem mais yuans, depois tiram yuans do mercado. Por quanto tempo eles podem fazer isso? Eles têm quase US$ 3 trilhões em reservas!

Mas os bancos têm lucro.

Eles têm lucro porque têm taxas de depósitos excessivamente baixas para os depositantes e uma margem fixa para os empréstimos de, no mínimo, 300 pontos base, 3%. Como eles podem não fazer dinheiro? Você pode dizer que a capitalização desses bancos é imbatível. Mas lembre-se que apenas 20% de suas ações são listadas. Quando você calcula a capitalização de mercado, considera o preço de mercado das ações e multiplica por todas as ações. No caso do J.P. Morgan, 100% das ações são listadas. Nos bancos chineses, só 20% são negociadas.

Quem paga a conta?

É o povo chinês. Ele é que torna isso possível. Quem põe dinheiro no banco perde dinheiro, por definição. Onde você vai por seu dinheiro? Vai usar para comprar uma casa, colocar no mercado acionário, arte, ouro, commodities. Aí pode-se ter um retorno maior que a inflação.

Em 2004, o Brasil disse que reconheceria a China como uma economia de mercado...

Que piada!

A China pode ser considerada uma economia de mercado?

Não. Mas acho que há duas economias aqui. A que é dinâmica e a que normalmente pensamos como parte da China é o setor não estatal orientado para a exportação, que está na grande Xangai, em Zhejiang, sul de Jiangsu e Guangdong. Setenta por cento do dinheiro vai para esses lugares e 70% das exportações saem dali. É uma economia geograficamente pequena, que criou 100 milhões de empregos nos últimos dez anos e muito dinheiro. Depois há a economia estatal, da qual estamos falando, e que Pequim domina. Quando você chama a China de economia de mercado, onde está o mercado? As únicas coisas precificadas pelo mercado são imóveis, ações, ouro, antiguidades, commodities. O preço do capital não é precificado pelo mercado. É de graça.