Título: Uma ilha onde tremor de terra já é rotina
Autor: Gonçalves, Alexandre
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/03/2011, Internacional, p. A24

Abalos acima dos 7 graus Richter são contados às dezenas na história do Japão

Foi só no final do século 19 que a pesquisa geológica passou a contar com instrumentos mais precisos, mas vem de longe, na história do Japão, a memória de grandes terremotos, com seu fardo de vítimas, traumas e destruição. Para mencionar apenas os gigantes - que passaram dos 7,8 graus na escala Richter -, o país tem pelo menos dez para lembrar, cinco deles até 1890 e outros cinco ao longo do século 20.

Mas se a conta valer a partir de 6,7 graus (sempre na escala Richter), passam de 50 os abalos - com maiores ou menores estragos - que marcaram a história do arquipélago japonês. E nem secontam, aqui, os rotineiros tremores que tiveram seu epicentro no oceano Pacífico e chegaram enfraquecidos às costas do país. O que a população guarda na lembrança são os famosos, como os de Kanto, em 1923, de Kobe em 1995 e o de Tóquio em 2009 - que não chegou a fazer vítimas mas deixou uma paisagem de incêndios e destruição como poucas vezes se viu.

O de Kanto - que bateu nos 8,3 graus, em 1º de setembro de 1923 - provocou imensos prejuízos e foi devastar amplas áreas em Tóquio, Yokohama, Chiba e outras cidades, matando 143 mil pessoas. Ele representa até hoje uma referência das grandes tragédias do país. Para se ter uma ideia simples, concreta, de sua força: ele moveu para a frente, por cerca de 60 centímetros, a gigantesca estátua de Buda de Yokohama, que pesa 23 toneladas.

Abalo censurado. Não pelas dimensões, mas pela ironia da história, pode-se juntar nessa lista de curiosidades um "terremoto censurado" ocorrido em janeiro de 1945, na região de Mi Kawa. O Japão estava então mergulhado na 2.ª Guerra e, ameaçado de invasão pelos Estados Unidos, começava a pressentir sua derrota - que, de fato, ocorreria sete meses depois.

Para não assustar ainda mais a população, os militares impediram a divulgação do abalo e se acautelaram até no modo de levar ajuda às suas vítimas - o que contribuiu para aumentar os estragos e o total de mortos.

Ilhas que somem. Os registros mais antigos remontam ao ano 684, quando um terremoto de 8,0 graus atingiu Hakuko Nankai, deixando um saldo de 200 a 1000 mortos. Outro, registrado na baía de Ise, chegou aos 7,8 graus. Não se sabe o total de vítimas que deixou, mas os moradores logo notaram, surpresos, que três ou quatro ilhas simplesmente haviam sumido do mapa.

Só muito depois, em 1703, veio o primeiro grande estrago em número de vítimas: os 108 mil mortos em Genro-Ku. Outro de forte memória, para os japoneses, foi o de Meiji-Sanri-Ku, que matou 27 mil pessoas em 1896.

O de Tóquio de 2009 foi um dos primeiros testemunhados pelo mundo digital. Aconteceu no início da noite de 8 de agosto de 2009, no fundo do mar, a quase 400 km da capital japonesa. No seu epicentro, atingiu os 7,1 graus, mas em Tóquio a intensidade ficou nos 4,0 graus.

Não teve número conhecido de vítimas, mas foram as cenas de ruas, pontes e estradas se desfazendo como geleia, de carros emborcados nos buracos, de gente assustada pelas ruas, que marcou o episódio. Três dias antes, outro abalo um pouco mais fraco, de 6,5 graus, havia alcançado a região de Okinawa.

Muitos arquitetos "comemoraram", depois do abalo de Tóquio, o sucesso dos prédios cuja construção foi adaptada para suportar os tremores: muitos desses edifíci0s tremeram, ameaçaram cair mas continuaram intactos, poupando muitas vidas.