Título: Tremor atinge Japão em momento de fragilidade econômica e desconfiança
Autor: Crespo, Silvio
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/03/2011, Internacional, p. A26

Agências de risco vinham levantando dúvidas sobre capacidade japonesa de honrar dívidas; reconstrução deve agravar situação fiscal

A catástrofe atingiu o Japão justamente no momento em que parte dos analistas de mercado desconfiava cada vez mais da capacidade do país de pagar suas contas. Há menos de dois meses, a agência Standard & Poor"s, que avalia o risco de um governo não honrar sua dívida, rebaixou a nota do Japão em um degrau. Após o terremoto e o tsunami, surgem dúvidas sobre as dificuldades que o país terá com possíveis gastos para a reconstrução das áreas atingidas.

O economista Robert Subbaraman, da instituição financeira japonesa Nomura Securities, disse em entrevista ao Wall Street Journal que o país "não está em uma boa situação para lidar com um desastre natural pesado". Já Nariman Behravesh, economista-chefe da IHS Global Insight, avaliou que "claramente a catástrofe vai aumentar as preocupações fiscais sobre o Japão, mas (o país) vai sair dessa sem maiores problemas".

A dívida bruta do setor público do país corresponde a 220% do PIB (Produto Interno Bruto) do país, ou seja, mais que o dobro de tudo o que a economia local produz em um ano inteiro. A dívida líquida (que desconta o que o país tem a receber) é de 180% do PIB; no Brasil, essa proporção é de 41%. O pior é que essa dívida não é saudável. Dos US$ 4,3 trilhões que representam os empréstimos do setor bancário, US$ 900 bilhões são de dívidas consideradas problemáticas (sem garantias).

Por enquanto, os dados sobre o impacto econômico gerado pelo terremoto são muito vagos. A United States Geological Survey, órgão do governo americano, avalia que existe mais de 70% de probabilidade de a catástrofe ter provocado perdas entre US$ 1 bilhão e US$ 100 bilhões. Ou que existe 39% de chance de o prejuízo ficar entre US$ 1 bilhão e US$ 10 bilhões.

Ernesto Lozardo, professor de economia da Fundação Getulio Vargas, acredita que os alertas sobre a capacidade do Japão de reconstruir as áreas afetadas são precipitados. Na opinião dele, do ponto de vista econômico a catástrofe é muito menor do que a crise financeira pela qual o país passa. A economia japonesa não cresce há cerca de 15 anos. O PIB e a renda per capita, estão hoje no mesmo patamar de 1995 (veja gráfico). Ao mesmo tempo, o país investe cada vez menos.

Apesar de ter registrado um crescimento econômico significativo até a década de 1980, o Japão tem problemas com as finanças desde o choque do petróleo, nos anos 1970. Naquele ano, o país destinava 38% do PIB a investimentos; hoje, apenas 22%, segundo o Banco Mundial.

Mais tarde, veio a bolha imobiliária, no início da década de 1990, o que provocou uma estagnação econômica que dura até hoje. Nos últimos 13 anos, o crescimento médio do PIB foi de 1,1%. A crise financeira internacional de 2008 agravou a situação, fazendo o PIB japonês despencar: houve uma queda real de 5,2% em 2009 e de 1,2% no ano anterior, de acordo com dados do FMI (Fundo Monetário Internacional).

A bolsa de valores local é um termômetro de como a economia japonesa está desacreditada, se comparada à pujança que o país viveu nos anos 1960. O índice Nikkei 225, que reúne as principais ações do Japão, está hoje no mesmo nível que estava em 1985. A título de comparação, o índice Dow Jones, dos Estados Unidos, cresceu dez vezes desde então. "Isso mostra que o próprio mercado japonês não acredita nas empresas do país. Eles preferem aplicar na renda fixa em vez de investir nos seus empreendedores. Hoje, 70% das reservas monetárias do povo está na renda fixa. É exatamente o inverso dos EUA", analisa Lozardo.

Para Fabio Kanczuk, professor de economia da Universidade de São Paulo, a atuação do banco central japonês é lenta demais em momentos de crise. O governo demorou cerca de cinco anos para salvar os bancos da bolha imobiliária de 1992. Já nos EUA, o Federal Reserve rapidamente baixou sua taxa básica de juros. Aliás, o presidente do Fed, Ben Bernanke, é uma autoridade acadêmica sobre Japão.