Título: Maria-Fumaça e a 7ª economia
Autor: Torquato, Gaudêncio
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/03/2011, Espaço aberto, p. A2

O ministro da Fazenda enche o peito e proclama: no embalo do crescimento de 7,5% do PIB em 2010, o Brasil corre nos trilhos como a 7.ª economia do mundo, superando a França e o Reino Unido. Mas o trem brasileiro, para chegar à estação final do governo Dilma na 5.ª posição, como espera Guido Mantega, precisa ser puxado por uma locomotiva de última geração, que garanta uma viagem rápida, confortável e sem os sacolejos produzidos pela velha Maria-Fumaça. Esse ícone do passado, que queima lenha para ferver água, fazer vapor e jogar fumaça no meio de bucólicas paisagens do interior, transfere seu significado de coisa obsoleta para os vários ramais que conduzem o País na direção do futuro.

O Brasil, é inegável, sobe de posição no ranking das nações. Mas a equação para chegar ao pódio abriga fatores que ameaçam atrasar a jornada. Dentre esses, a frente educacional é a mais importante. Para chegarmos aonde sonha o ministro Mantega, precisamos de mão de obra qualificada para operar novas tecnologias que garantirão a expansão da produtividade. Como fazer isso? A lógica aponta para o longo corredor da aprendizagem, que começa nos primeiros pilares da educação (leitura, Matemática e Ciências). Nesse primeiro estágio, estamos atrás de países de menor expressão econômica, como Chile, Uruguai e Colômbia. É o que diz o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), em que o Brasil se posiciona no 53.º lugar entre 65 países.

O maior desafio do governo Dilma não está, pois, nas frentes política ou econômica, como alguns tentam impingir, mas na gigantesca fila da mão de obra desqualificada. Componentes de cunho político podem ser administrados a qualquer momento. As pressões dos conjuntos parlamentares, previsíveis, fazem parte do cotidiano governamental. O eixo econômico, por sua vez, quando sai do prumo, recebe imediatos ajustes. Já na área da aprendizagem e capacitação de quadros, a tarefa é árdua e demanda tempo. Os buracos não podem ser tampados de imediato. Neste momento, o País registra a crise da escassez de profissionais para trabalhar em áreas que apontam para o futuro, como geologia (exploração do petróleo), engenharia, construção civil, serviços turísticos e hotelaria, meio ambiente, sistemas de informática e tecnologia da informação, entre outros. O estrangulamento de nichos, como o da construção civil, além de atrasar cronogramas, ameaça o próprio conceito do País, principalmente quando se projeta a escalada de gargalos na estampa de eventos de repercussão mundial, como a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, a serem sediados pelo País. Trata-se de palcos fosforescentes para a projeção de imagem de uma nação.

O apagão da mão de obra deixa seu rastro nas estatísticas da empregabilidade, nas reclamações de dirigentes empresariais e no próprio reconhecimento das autoridades. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) é enfático ao mostrar que, dos 24,8 milhões de brasileiros que buscaram emprego no ano passado, 22,2% deles não possuíam requisitos mínimos para as vagas disponíveis. O crescimento quantitativo se distancia da expansão qualitativa. Se agregarmos à massa desqualificada as amarras que atravancam a infraestrutura logística - congestionamento de aeroportos, estruturas obsoletas de portos, rodovias despedaçadas, escassez de ferrovias -, veremos por inteiro a paisagem descomunal do descalabro. Os feriados prolongados, principalmente nas altas estações, prolongam o calvário de consumidores, sob a lupa tosca de agências reguladoras, entidades amorfas que estão a carecer de profunda reformulação. Que danos tal esteira de carências acarreta ao País? Eis alguns: lentidão nos processos produtivos, ociosidade de aparatos tecnológicos, menor produtividade e, consequentemente, maior dependência de tradicionais ferramentas financeiras, como taxa de câmbio e juros. Ou, em outros termos, parques de produção e núcleos de serviços funcionarão aquém de seu potencial, desviando os capitais para a roda da especulação. O desfecho é trágico. O desenvolvimento, visto como a soma de avanços quantitativos e qualitativos, distribuição equitativa de riquezas e promoção do bem-estar, perde dinâmica.

Por que esse desenho borrado não recebe retoques adequados? A resposta sublinha: falta de vontade política, leniência de dirigentes de áreas, ausência de visão empreendedora, desentrosamento setorial, estreita visão de prioridades e a própria desqualificação dos perfis que comandam os sistemas. Vontade política implica, primeiro, investimento pesado na raiz da árvore dos maus frutos: educação. Não há quem não concorde com a premissa, mas as frentes educacionais vivem na penúria. A maior parte da população sai da escola sem saber fazer cálculos e entender escritos simples. O analfabetismo funcional beira 26% da população com mais de 15 anos.

A Coreia do Sul, país inexpressivo há 40 anos, hoje é exemplo para o mundo graças à revolução que fez na educação. Com 40 milhões de habitantes, exporta o dobro do Brasil e paga a um docente do ensino fundamental cerca de US$ 4 mil. Em São Paulo, um professor em fim de carreira na rede pública ganha um salário que não chega aos R$ 2 mil. Lá, há quase sete vezes mais pesquisadores que por aqui. E enquanto 80% dos coreanos que concluem o ensino médio vão para a universidade, esse índice é, entre nós, de menos de 20%. Os nossos guerreiros da batalha educacional preferem lutar com verbos, e não com verbas. Enquanto a verborragia ecoa nos auditórios, as salas de aula locupletam-se de desvarios pedagógicos. Já o setor privado praticamente fica alheio à tomada de decisões. Na Coreia do Sul, 2,25 pontos porcentuais dos 3% do PIB investidos em educação vêm do setor privado.

E assim, a velha Maria-Fumaça, devagar quase parando, puxa o trem da 7.ª economia do mundo. Se Mantega e seus companheiros dormirem na cabine, a máquina não chegará à última estação.

JORNALISTA, É PROFESSOR TITULAR DA USP, CONSULTOR POLÍTICO E DE COMUNICAÇÃO