Título: Campinas faz rifas e eventos
Autor: Toledo, Karina
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/03/2011, Vida, p. A14

Centro Boldrini dribla dificuldades para crescer

Desde o tempo em que chefiava a enfermaria pediátrica do Hospital das Clínicas da Unicamp, em meados dos anos 1970, a médica Silvia Brandalise mantém no bolso uma lista de desejos. "Quando um pai vinha me dizer que não sabia como me agradecer, eu pedia uma caixa de seringas ou um móvel usado", conta.

Assim, conseguiu montar, em 1978, um laboratório para atender crianças com doenças hematológicas. Na época, Silvia contava apenas com uma funcionária. A demanda era grande, mas a gratidão dos pacientes também. Logo o laboratório virou um pequeno hospital e passou a receber também crianças com leucemia. Daí para atender outros tipos de câncer foi questão de tempo.

Graças às doações, o primeiro hospital do País especializado em oncologia pediátrica foi crescendo e se mudando para espaços maiores. Hoje, o Centro Infantil Boldrini - batizado em homenagem a um pediatra famoso de Campinas - ocupa um moderno prédio de 25 mil m2, conta com equipamentos de ponta, 618 funcionários, 125 prestadores autônomos de serviços e 400 voluntários. O custo mensal para manter a estrutura é de R$ 2,7 milhões. Embora a instituição seja referência internacional no tratamento e na pesquisa do câncer infantil, depende de ajuda para sobreviver, pois tem um déficit de R$ 300 mil por mês.

Os repasses do SUS - que correspondem a 80% dos atendimentos - cobrem apenas 30% dos custos. Outros 30% vêm de pacientes atendidos por meio de convênio. Os 40% restantes são reunidos com patrocínios privados e recursos angariados por meio de rifas, festas e outros eventos beneficentes. A Unicamp paga apenas o salário de 13 docentes que trabalham na instituição como voluntários, entre eles a própria Silvia.

Apoio social. Atualmente, o Boldrini atende cerca de 7 mil pacientes de diversas cidades brasileiras e de alguns países da América Latina. Três casas de apoio mantidas por entidades assistenciais e voluntários oferecem aos que vêm de longe hospedagem, alimentação, transporte para o hospital e apoio psicológico.

Em uma delas está a dona de casa Clelia de Oliveira, de 41 anos, e o filho Matheus da Silva Barros, de 12, portador de leucemia. Naturais de Jarú (RO), frequentam o centro de Campinas desde 2006. Quando veio pela primeira vez, Clelia teve de deixar a filha caçula, que na época tinha menos de 2 anos, sob os cuidados da avó. "A prioridade era ele", diz ela. Em 2009, Matheus teve alta, mas, dez meses depois, uma recaída fez Clelia e o filho retornarem ao interior de São Paulo.

Para evitar que os longos períodos de internação atrapalhem o desenvolvimento acadêmico das crianças, o Boldrini mantém um serviço de apoio pedagógico. Professores cedidos pela Secretaria de Educação de Campinas fazem a ponte com a escola de origem e repassam os conteúdos de forma individual. Os pacientes podem até mesmo fazer provas ou prestar vestibular enquanto aguardam o término do tratamento.

A instituição também oferece cursos de capacitação e oficinas culturais para ajudar os jovens a se inserir no mercado de trabalho. "Dessa forma, o paciente levanta o queixo, encontra seu espaço e vislumbra um futuro", afirma Silvia.

O conceito de humanização, diz ela, nasceu com o Boldrini há 33 anos. "Desde o início, não conseguimos trabalhar sem suporte social. Mas a humanização também se faz por meio da excelência diagnóstica e do aprimoramento tecnológico. Humanizar não é dar lápis de cor ou casa de apoio e sim assumir uma medicina padrão ouro e participar de políticas públicas."

Pesquisa. Foi graças ao engajamento dos profissionais da instituição em políticas públicas que o Boldrini se tornou pioneiro na implantação e disseminação de protocolos terapêuticos sistematizados para tratamento do câncer infantil. Silvia coordena até hoje o 1.º Protocolo Nacional de Tratamento da Leucemia Linfoide na Infância, que contribuiu para que a taxa de cura da leucemia infantil no Brasil alcançasse o mesmo patamar de países do primeiro mundo. ,

FICHA TÉCNICA

Centro Infantil Boldrini

Fundação: 1978 Nº de leitos: 77 Casos novos/ano: 920 Atendimento pelo SUS: 80% Atendimento/convênio: 20% Custo mensal: R$ 2,7 milhões Déficit mensal: R$ 300 mil Funcionários: 618 Voluntários: 400 Prestadores de serviço: 125 Área construída: 25 mil m2

Atualmente, a instituição investiga, em parceria com a Organização Mundial de Saúde (OMS), os fatores ambientais que, durante a gestação, podem influenciar o surgimento do câncer em crianças.